
Com a partida a poder fazer-se na estação de São Bento podemos iniciar uma viagem que gostaríamos fosse mais longa. Apanhar o comboio numa bela estação. Por passe de magia entra-se na escuridão de um túnel e em pouco somos colocados na grande estação de Campanhã e no comboio da Linha do Douro. À medida que se vai afastando do Porto, a paisagem urbana e suburbana vai dando lugar à ruralidade e a impressão estética e cromática impõe-se ao longo do Vale do Douro. A linha de caminho de ferro acompanha quase fielmente a sinuosidade do rio. Parece querer ir com ele ou através dele. Uma parceria perfeita. O rio traçou o vale a seu custo e gosto. O comboio acompanha-o a seu gosto e custo. Em alguns momentos o comboio deu o seu toque de pormenor como a fazer adorno em paisagem já de si bela. Escavou túnel numa rocha mais saliente que fica como brinco na orelha do rio. Uma ponte de ferro na passagem de um afluente como alfinete que liga peças coloridas unindo a paisagem. Uma estação e seus complementos como apontamento no padrão tecido da natureza. O marulhar das águas e o som das rodas nos carris são o compasso e harmonia que rasga em sinfonia heróica o silêncio da paisagem. De um e outro lado do rio e do comboio tudo é vinhedo que o braço humano moldou na paisagem agreste sulcada a socalcos. O comboio avança pela Régua, Pinhão, Tua e pode mesmo chegar ao Pocinho. A Barca d’Alva já não vai desde 1988. E entrar por Espanha até Salamanca seria desejável.
É a viagem ao coração do "terroir" que produz o néctar com que se fazem as libações nos mais variados momentos solenes.
António Borges Regedor

A Terra de Miranda, bem encostada ao rio Douro, vê de cima da margem rochosa que dele se eleva a pique. Naquele lugar a curva estreita ainda mais o rio que cava fundo. Miranda do Douro é a fortaleza. E assim bem o entendeu D. Afonso Henriques que lhe concedeu Foral a 19 de Novembro de 1136. Foral que foi confirmado por D. Afonso II em 1217.
D. Dinis reconhecendo a importância militar do lugar, manda erguer o castelo de forma rectangular e de quatro torres. É portanto um castelo do século XIII. A quinta torre foi acrescentada por ordem de D. João I, já no século XV, que lhe mandou colocar as suas armas. A revolução da pólvora desse século levou à construção de uma barreira com bocas de fogo.
O Foral novo de D. Manuel foi-lhe passado em 1 Junho de 1510.
A sua importância crescente leva D. João III a pedir ao Papa Paulo III que crie a Diocese em parte das terras que antes eram da Arquidiocese de Braga. É Diocese a partir de 22 Maio de 1545. E também a partir desse ano é cidade. A primeira pedra da nova Sé é colocada só em 1552. Os primeiros Bispos viveram ainda no castelo até à construção do Paço Episcopal. Este só se iniciou em 1601 e só ficou concluído mais de um século depois.
No século XVII o castelo foi envolvido por uma estrutura pirobalística, o que reforçou ainda mais a sua capacidade defensiva. No entanto, a 8 de Maio de 1762, no contexto da Guerra dos Sete anos a Alcáçova foi arrasada pela explosão do paiol, destruindo o Castelo e os bairros à sua volta.
Hoje, Miranda do Douro, é uma cidade agradável. A cidade mostra-se ainda murada, mas já extravasou essa limitação granítica. O casco histórico é bem cuidado e atractivo ao turismo que é notoriamente uma das suas ofertas. O seu posicionamento de atalaia, é também miradouro. E mostra-se segura perante a ravina que conduz à água que cavou fundo a rocha. Desse promontório que é a cidade, tudo se vê de cima, como deuses. Assim nos sentimos.