. Derrube de estátuas a cop...
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
Há uma onda de derrube de estátuas na Europa e nos Estados Unidos da América.
As estátuas hoje não são mais que documentos históricos. O que essas pessoas representam não pode ser percebido sem contextualização histórica.
A escravatura é das condições mais antigas da história. Na antiguidade passava-se da condição de ser livre possuidor de terra, para a condição de escravo por incumprimento de dívidas por exemplo. O indivíduo livre passava a escravo porque ficava sem a propriedade da terra, mas continuava nela, na sua casa, a cultiva-la como dantes.. Não raro os escravos eram cultos e tinham razoável condição social. A educação de muitos cidadãos na Grécia, criadora da democracia, era feita por escravos. Era frequente ver escravos e homens livres a trabalhar lado a lado. Com os descobrimentos e a importação de escravos, qualquer pedreiro proprietário de escravos trabalhava lado a lado com os seus escravos. Comerciantes tinham escravos que vendiam mercadorias por Lisboa. A história regista escravos brancos, louros nórdicos, morenos árabes, negros africanos, ou de qualquer outra origem cor de pele. Durante muitos séculos a História da Humanidade regista a condição de escravo no seu contexto social. Isso corresponde a um tempo que não é o de hoje. As luzes, as ciências, o conceito de humanidade e cidadania da revolução francesa, os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade, os direitos humanos, e muito também a revolução industrial, deram fim à escravatura como condição social.
Apesar de ditar o fim da escravatura os problemas económicos, sociais e de mentalidade não foram extintos. E o facto é que ainda há actualmente bolsas de sociedades islâmicas que praticam a escravatura. Gostava de ver os ignorantes que andam a derrubar estátuas a serem mais diligentes quanto a esta aberração na actualidade. Mas era pedir demais à sua inteligência.
A História está cheia de personalidades controversas que se as víssemos fora dos contextos históricos estaríamos estupidamente a apagar toda a História.
Os Faraós do Egipto tinham por prática os casamentos incestuosos, e tinham escravos, acaso derrubaremos as pirâmides?. Platão participou num governo de tirania em Atenas, e tinha escravos, acaso derrubaremos o Partenon e as estátuas de Platão ? E deixaremos de o estudar?
Os esclavagistas que levaram escravos africanos para as Américas não andavam a caçar escravos. Compravam-nos nas feitorias do litoral a escracocratas que eram igualmente negros e com isso enriqueciam. (Pelógia 2013) e (Souza 2006 apud Mocelin; Camargo 2010)
Ver hoje europeus e americanos a derrubar estátuas copiando os comportamentos dos terroristas islâmicos do Daesh é ver ignorantes de história, gente que age por impulso, irracionais, que se limitam a usar o cérebro reptíliano ( MacLean 1990).
E triste é também ver políticos indignos da responsabilidade inerente aos cargos, a pactuar cobardemente com as hordas de arruaceiros, ignorantes e imitadores da mais profunda e repugnante fobia à cultura.
A História não se apaga nem de destrói. A História tem de ser estudada, compreendida, discutida. O curso da História implica corrigir o que for de corrigir e louvar o que for de louvar. A História é apenas a memória de um caminho percorrido que permite reflectir e orientar no caminho a percorrer.
Ver também:
Barroco Tropical – de José Eduardo Agualusa
http://www.rfi.fr/br/africa/20160522-mulheres-de-angola-lideravam-trafico-de-escravos-para-o-brasil
Rosa Aparecida Pelógia - A ESCRAVIDÃO ENTRE OS PRÓPRIOS AFRICANOS, 2013.
Fonte da Foto : NUNO FOX / Expresso
O sociólogo Gilberto Freyre escreve em 1933 um estudo sobre a formação social do Brasil com o título: “Casa grande e senzala”. Caracteriza a formação da sociedade brasileira como acção de colonização de característica patriarcal, escravocrata e de alguma idealidade quanto à miscigenação. Sendo que até na miscigenação havia diferenciação, já que a igreja a incentivava a ligação às indígenas, mas não às pretas. Refere a opressão contra a mulher, que sendo negra ou indígena seria objecto sexual, e que confinava as brancas à casa grande descuidando a sua educação. Não havia escolas, os meninos eram ensinados em casa. Alguns, mais tarde em colégios de padres. Aos negros e mestiços era vedado o acesso ao sacerdócio, donde não seriam educados.
O branco vivia na casa grande . O negro, mestiço e índio na senzala.
As elites brasileiras parece gostarem destes tempos da escravatura. Da casa grande da cidade e da senzala do morro, da favela. A sociedade brasileira, no seu todo, parece preferir a condição da sua sociedade arcaica. Teima em não abandonar a estrutura escravocrata das relações sociais. Em não abandonar a violência sobre os pretos, os indígenas, as mulheres. As brancas parece não sentirem a clausura da casa grande no condomínio. Os brasileiros, homens e mulheres continuam a cultivar a violência, a ignorância, o racismo, a senzala. As estatísticas referem-na como sendo das sociedades mais violentas, mais ignorantes. Parece não terem aprendido nada com o tempo.
António Regedor
. Livros que falam de livro...
. Dança
. Rebooting Public Librarie...