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Locomotiva, a máquina a vapor que é produto da revolução industrial, mas ao mesmo tempo produtora dessa mesma revolução que a produziu. Era assim como uma pescadinha de rabo na boca. Os comboios, à época, eram composições formadas por uma significativa diversidade de carruagens. Locomotiva, vagão do carvão, vagão cisterna da água, carruagem do correio, carruagens de passageiros e no fim as carruagens de mercadorias.
As carruagens de passageiros eram estratificadas em três classes de conforto ou falta dele. Cada categoria de carruagem de passageiros tinha o preço a que cada classe social podia aceder. Os burgueses industriais ou comerciante enriqueciam. Os nobres empobreciam e em breve iriam falir e só ficar com os títulos, a arrogância e a frustração. Os servidores públicos, profissionais liberais, intelectuais de alguma posse ou rendimento, estavam no meio da escala social, e por isso a sua necessidade de afirmação política. Finalmente a arraia miúda, os pés descalços, a tropa fandanga, serviçais, criados e jornaleiros.
Cada um seguia na carruagem da vida e na que lhe correspondia no caminho de ferro.
No fim do comboio seguem as carruagens de mercadorias. Vão carregadas com matérias primas ou produtos acabados. São pedaços suados das minas, da agricultura, das oficinas e fabriquetas. Há carruagens para animais vivos, mais mortos que vivos pela viagem, a caminho do matadouro.
É a locomotiva da vida, da revolução industrial. A locomotiva que passou a levar as notícias mais depressa, as ideias mais longe, e também puxou revoluções. A locomotiva que tirou gente do campo e os levou à cidade. A máquina do comboio mágico que engolia camponeses num lado e vomitava proletários noutro lugar. A locomotiva que no fim de cada linha iniciava nova era.
O comboio que produziu a burguesia e que atirou a aristocracia para o tombo de história; Que deu luz à ciência e à técnica e ofuscou o clero; A locomotiva que puxou o comboio da história com novas ideias sociais e políticas. O comboio do liberalismo com nova economia e nova organização social. A locomotiva liberal que cilindrou o clero com a mais radical política anti-clerical na história de Portugal. O comboio que expulsou as ordens religiosas, lhes expropriou os bens, edifícios, igrejas, bibliotecas. A locomotiva da reforma administrativa que retirou ao clero as freguesias e os registos de nascimentos e óbitos. A máquina a vapor que encurtou distâncias; levou as gentes mais longe; rasgou caminhos; abriu horizontes. O comboio mudou o tempo, alterou a paisagem, queimou etapas. A máquina a vapor mudou o pensamento, a ciência, a filosofia, a pintura, a literatura. A locomotiva fez revoluções, escreveu História.
António Borges Regedor
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