. História do movimento cri...
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O mercado do livro de ficção é dominado pelos títulos estrangeiros, maioritariamente americanos. É a sua grande capacidade de produzir e de impor a venda de direitos por efeito da quantidade que faz baixar o custo.
Os escaparates das livrarias inundam os potenciais leitores de autores fabricados para consumo light. Apresentados em lombada, (menor visibilidade) ficam muitos dos autores portugueses de grande qualidade. Já falamos no texto (2) de Carlos Vale Ferraz e de Ana Cristina Silva.
E além de muitos outros, quero referir Alberto Santos. Deste autor comecei por ler “A Escrava de Córdova”. Um livro de 2008. O que me agradou imenso pelo meu gosto do Al-Andaluz. E posteriormente “O Segredo de Compostela”. Muito bom pela reposição da hipótese maiss provável das sepulturas que dão origem à Catedral de Santiago serem do cristão Prisciliano e não obviamente das inverosímeis fantasias da jangada ou barca de pedra de Tiago discípulo. E porque conheço lugares relacionados com o tempo e espaço cultural da época, como o Castro de Wamba e a forte presença do culto Helenístico-Alexandrino a Serapis que tem um dos seus santuários em Panóias, Vila real. Também à época a forte disputa cristã entre a corrente arianista e a romana que imbrincada no poder pode considerar heresia o arianismo e com isso condenar o Bispo Prisciliano.
Como se vê são romances históricos com inúmeras referências histórico-culturais que tornam estes livros bem melhores que os cor de rosa que as máquins de propaganda nos impingem.
António Borges Regedor
Prisciliano terá nascido na Galécia numa família da aristocracia. Cerca de 370 foi estudar em Burdigala, actual Bordéus, com o retórico Delphidius com quem fundou uma comunidade cristã rigorista, critica das hierarquias da Igreja que enriquecia com a promiscuidade com o Estado Imperial. Cerca de 379 começou a predicar com enorme sucesso e o movimento tem um crescimento muito rápido.
Características do movimento
O movimento prisciliano do ponto de vista teórico incide sobre o estudo das escrituras, na sua interpretação e recusa de leitura literal. Incluem alguns textos apócrifos.
A inspiração de Prisciliano vem da tradição gnóstica e é uma expressão de um cristianismo que rejeita a opulência da hierarquia eclesiástica no século IV é simultaneamente cargo político e religioso.
Os líderes do movimento religioso não têm de ser da hierarquia, mas impondo-se como Mestres carismáticos. E onde há uma participação e lugar importante das mulheres nas leituras da Bíblia.
Na prática propõe o ascetismo, o celibato e a abstinência de carne e vinho. Esses hábitos alimentares estariam na base da consagração da eucaristia com leite e uvas. Jejuavam ao domingo e afastavam-se da igreja durante a quaresma. Neste período faziam retiro nas montanhas. Como característica física usavam os cabelos longos ao contrário do que era habitual na época e andavam descalços.
A condenação do Priscilianismo
Já em cerca de 380 reuniu o Concílio de Caesaraugusta, actual Saragoça, condenando as ideias priscilianas. Em resposta dois dos bispos acusados de priscilianismo nomearam Prisciliano a Bispo de Abula, actual Ávila.
Por influência dos bispos ortodoxos o Imperador Graciano faz um rescrito excomungando Prisciliano e os seus seguidores.
Em 382 Prisciliano vaia a Roma para se defender, mas não é recebido pelo bispo de Roma Dámaso, por este considerar não poder anular o rescrito do Imperador.
Nesta época o equilíbrio de poderes era muito frágil. Havia rivalidades nos Impérios Romanos do Oriente e do Ocidente, e rivalidades internamente a cada um deles. Ao mesmo tempo o cristianismo sofria da afirmação em confronto das várias interpretações. E no cristianismo eram muitas: arianos, rigoristas, ebionitas, patripassianos, novacianos, nocolaítas, ofitas, maniqueus, homuncionitas, catafrígios, borboritas, e os priscilianos a que aqui nos referimos.
Nesta amálgama de conflitos, assenta a promiscuidade e as alianças de conveniência entre o poder administrativo e a igreja. Disso resulta a condenação por maniqueísmo e bruxaria, da heresia prisciliana no Concílio de Bordéus e em Tréveris no ano de 385 através de Evódio, prefeito do imperador e acusada das práticas mágicas de danças nocturnas, uso de ervas abortivas e astrologia cabalística.
Prisciliano acaba decapitado juntamente com os seus seguidores mais próximos por ordem do Imperador e numa acção considerada por muitos de justiça secular em questão religiosa. Martinho de Tours, Jerónimo de Estridão em Roma e Ambrósio em Milão foras dos ortodoxos leais a Roma que tiveram esta posição.
Pouco tempo depois, em 388 Máximo foi derrotado pelo Imperador Teodósio do Oriente e até o Bispo Itácio foi excomungado por ter sido o instigador do julgamento secular contra o Bispo Prisciliano.
Por sua vez o priscilianismo manteve a actividade pelo menos por mais dois séculos como provam o facto de o tema ser tratado em vários concílios. Ainda no concílio de Toletum no ano de 400 era referido que dos doze bispos da Galécia, apenas um não era priscilianista.
E a partir de 409 com os bárbaros a ocuparem o império, o priscilianismo sobreviveu essencialmente no mundo rural, de tal modo que mais tarde em 561, no concílio de Braga voutou a fazer-se referência ao movimento priscilianista. E no IV concílio de Toledo, em 683, ainda se condenava a prática priscilianista dos clérigos galegos não cortarem o cabelo.
A hipótese do túmulo de Santiago de Compostela ser de Prisciliano.
Segundo Louis Duchesne será Prisciliano que estará no túmulo em Santiago de Compostela. Isto considerando que os seus discípulos trouxeram os seus restos mortais para a sua terra natal. (O próprio Miguel de Unamuno foi difusor desta teoria tornada popular).
O eremita Pelágio encontrou em 813 um sepulcro que atribuiu a Santiago.
Foi Afonso II que ordenou a construção de uma igreja em honra de Santiago em texto de 829 ou 834.
Em 893 o rei doa a Igreja de Arcos a Santiago. Começa a haver registo de peregrinos, mas a peregrinação só ganha evidência no século X. E só em 1126 é que se conclui a Catedral, no tempo do Bispo Gelmires de tão má memória para Portugal. ( Fez Santiago rivalizar com Braga, mais antiga, de onde roubou várias relíquias que levou para Santiago e nunca mais devolveu.)
António Borges Regedor
Alberto Santos já nos tinha oferecido “A Escrava de Córdova” e a “Profecia de Istambul”. Neste livro volta aos temas da História, que o autor bem domina.
O romance decorre no século IV, quando as elites romanas aderiam ao cristianismo. Uns grupos predicavam e interpretavam a tradição cristã de formas variadas. Prisciliano e o seu grupo pregavam a sua visão cristã no lado ocidental da península ibérica. Foram considerados hereges, e em consequência decapitados. Uma hipótese defendida por vários autores é a de que as ossadas descobertas num túmulo pertençam aos Priscilianos.
Quanto à lenda, só no século VII se difunde a ideia que Santiago teria predicado na Ibéria. E só no século XIX, o Papa Leão XIII decreta, sem qualquer comprovação científica que as ossadas poderiam pertencer a Santiago.
Santos, Alberto – O Segredo de Compostela. Porto: Porto Editora, 2013.
António Borges Regedor
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