. Edifícios e mudança de fu...
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Como vi Istambul
Visitei Istambul há cerca de quinze anos. O primeiro impacto da chegada a Istambul pelo aeroporto foi muito forte. Não as habituais filas para controlo de segurança e passaportes, mas a enorme diversidade de passageiros. E entre estes grupos de mulheres caucasianas enquadradas por homens que seguravam nas mãos as dezenas de passaportes que lhes pertenciam. E na porta, já fora do aeroporto, saíam uma a uma para entrar em determinados carros que lhes eram indicados pelos homens que as controlavam. Eis a melhor imagem da cidade que é a porta que liga o Oriente ao Ocidente. Assim, de imediato e em relâmpago, fica claramente visto.
Já na cidade, o transito caótico tem regras de prioridade imperceptíveis para o europeu. A língua é uma dificuldade dado o reduzido número de turcos que falem inglês. Também a poderia considerar a cidade dos gatos, tal é a quantidade destes felinos que a habita e deambula pelas ruas prestando o importante trabalho de a patrulhar e defendendo os montes de lixo da invasão de ratos. Como todas as cidades islâmicas o mercado é o centro, o local mais importante. A expressão da vitalidade económica e social da cidade.
Mas o centro da cidade de Istambul, a que historicamente corresponderá a Constantinopla, é a parte que constitui a cidade turística e é impressionante. Não é difícil recuarmos no tempo e imaginarmos a cidade romana. O hipódromo é explícito. É hoje um grande espaço aberto onde num topo há um oblisco que se impões como marca da Praça. É um Oblisco construído no Egipto, em Karnak, e transportado para Constantinopla por ordem do Imperador Teodósio. Sensivelmente a meio do hipódromo fica a Mesquita azul. Enorme, imponente. A marca do poder do Islão a que nenhum crente fica indiferente. No extremo oposto do Oblisco e já separada da Praça Sultanahmet por um jardim fica a Igreja de Santa Sofia. Construída entre 532 e 537 em estilo Bizantino e dedicada, como o nome indica, à sabedoria.
Na época em que lá estive, esta cidade islâmica mas ainda muito laica, tinha na Praça Taksim a sua expressão mais ocidental. Mais recentemente esta praça foi palco de violentos confrontos. No aspecto nada a distinguia de uma qualquer praça europeia. Hoje, depois do golpe de estado que marca a viragem para o islamismo e contra o laicismo, a Praça não terá o seu aspecto cosmopolita, desinibido, arejado sociologicamente diverso. Um outro espaço de forte presença turística era a Rua das Flores. Aí concentravam-se grande número de restaurantes, onde antigamente a rua era o ponto de encontro da prostituição.
A visita aos palácios permite perceber a estratificação e organização social. Permite perceber a condição de vida da mulher, o seu mundo e poder na estrutura dinástica otomana. Não dependendo a sucessão de linhagem familiar directa, mas do juízo que o Sultão faça do melhor capacitado dos seus filhos, cabe à mulher a preparação do sucessor e portanto de garantir a sua ascendência no poder.
Tive a sorte de estar em Istambul em tempo de Ramadão. E a experiência foi magnífica. A noite era um ambiente de festa, felicidade. O hipódromo era um enorme parque de restaurantes, diversões, música. Famílias passeavam. Muitas crianças com guloseimas. Momentos de muita alegria num tempo de jejum.
Anttónio Borges Regedor
Ainda a Europa se encontrava numa época obscura, já o Médio Oriente vivia grandes civilizações e produzia grande pensamento. A civilização Persa. A riqueza cultural, técnica, científica e civilizacional da Babilónia. A civilização Fenícia que nos legou a escrita. O trânsito civilizacional que passou do Oriente através do Médio Oriente como a escrita numérica indiana que é conhecida por árabe, a pólvora ou o papel e até mesmo a impressão tabular. No Médio Oriente desenvolvem-se as religiões monoteístas ou expandem-se por essa região como aconteceu com o islão.
O Cristianismo desloca-se do Médio Oriente para Ocidente pela Síria e Turquia. Nestes países foram construídas e existem ainda algumas das igrejas mais antigas da cristandade. Uma dessas igrejas é a de Santa Sofia em Istambul, que já foi Constantinopla e antes Bizâncio. Sabemos que os edifícios de culto devem geralmente a sua existência a locais desde sempre destinados a esse fim. E que ao longo do tempo foram servindo os vários cultos que se iam sucedendo. Como também se iam sobrepondo os edifícios destinados a esses mesmos cultos.
São diversos os casos de lugares de culto que serviram já diferentes religiões. Igrejas transformadas em Mesquitas. Como foi o caso de Santa Sofia. Mesquitas transformadas em Igrejas com aconteceu em Sevilha, ou no nosso caso, como bem conhecemos em Mértola.
A catedral de Hagia Sophia foi construída no século VI. Quando a região estava no domínio do Império Romano do Oriente. A cidade chamava-se Constantinopla e era Cristã. A catedral situa-se à entrada do estreito de Bósforo. Foi convertida em mesquita no século XV e transformada em museu em 1934 por decisão do fundador da Turquia secular, Mustafa Kemal Ataturk.
Na idade contemporânea as sociedades civilizadas tendem a considerar mais o património de compreensão histórica. Sejam escritos objectos ou edifícios. É nesse sentido que edifícios como os referidos, que serviram fins religiosos, valem não apenas pela sua funcionalidade, mas também e essencialmente pelo testemunho histórico e compreensão do diacronismo civilizacional. É essa a razão porque se recuperam edifícios que serviram a função de antigas sinagogas, mesquitas e igrejas. E se preservam como museus. E porque não se destroem, não se deturpam nem usam para novas funcionalidades.
Obviamente que há um limite de bom senso e de necessidade na determinação de imobilidade funcional de edifícios históricos. Não é útil nem sensato recusar novas funcionalidades. Não se pode tornar museu todos os edifícios que deixaram as suas funções iniciais, mas é importantes que alguns dos mais significativos sejam museus.
Conhecemos muitos edifícios que foram igrejas, mosteiros, castelos, palácios, armazéns, e que passaram a ser escolas , quartéis, hospitais, bibliotecas, hotéis. Outros devem ser preservados na sua original funcionalidade para compreensão do contexto histórico, social, económico. A História também precisa de exemplos. É o caso da Hagia Sophia construída no século VI, ainda não existia o islão. Com tantas mesquitas em Istambul, e até mais importantes como é o caso da Mesquita Azul, a antiga igreja merecia a preservação que o regime laico do fundador da Turquia moderna, Mustafa Kemal Ataturk, lhes quis facultar em 1934. Da mesma forma gostaria de ver a mesquita de Mértola no seu aspecto original, para melhor compreender e sentir toda a ambiência cultural que é a vila com mais representação dos vestígios da cultura islâmica em Portugal.
António Borges Regedor
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