. PAB 2002
. Passos ousados ecoam nas ...
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Ao fazer expurgo dos meus arquivos recuperei a fotografia que agora legendo. Ela resulta da actividade de um grupo de bibliotecários que desde 2001 a 2002 desenvolveram um programa de método de avaliação de desempenho por iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundación Bertelsmann.
Na foto e da direita para a esquerda estão: António Borges Regedor, Carla Valente, Ana Paula Barros, António do Nascimento Pinto, Graça Cunha, Maria Cristina Prates, Teresa Cristina Matos. Fora da Foto, provavelmente a fazer o registo (já não recordo) Maria Helena Melim Borges, a mentora portuguesa do projecto. Eulàlia Espinàs era a directora da Bertelsmann.
Grande equipa.
António Borges Regedor
Os avanços significativos dependem sempre de acções arrojadas. Neste campo o século XX é exemplar. Até aí as políticas do livro não existiam, e a política para as bibliotecas remetia sempre para terceiros, no caso as autarquias, que não tinham interesse, conhecimento, vontade ou recursos. Daí terem falhado sempre.
Como digo, o século XX teve o primeiro momento de ousadia. Foi protagonizado pela Fundação Calouste Gulbenkian que de forma corajosa, ousada, arrojada, enviou por todo o país carrinhas cheias de livros para emprestar sem restrições, sem medo, sem reserva. E não foi fácil vencer a iliteracia, a ignorância e o obscurantismo. Deixou semente, deu oportunidade a duas gerações terem contacto com o livro, com a leitura, a informação e o conhecimento. “Dois anos depois do início das emissões de televisão em Portugal, a 4 de Setembro de 1956, na Fundação Calouste Gulbenkian (doravante FCG), iniciava-se um novo serviço de educação” (Regedor, 2014 p.93)
Essa ousadia de 1956 abriu caminho e possibilitou, trinta e um anos depois, nova ousadia com sucesso. Foi o arrojado programa de Rede Nacional de Leitura Pública. “Para a execução deste objetivo de política de leitura pública, através da Rede de Bibliotecas Municipais, o modelo é o do estabelecimento de contratos-programa entre a administração central e as autarquias,” (Regedor, 2014 p. 155).
É a coragem que agora se verifica na dotação de meios para novo impulso na Leitura Pública, com financiamentos para modernização tecnológica, para digitalização, empréstimo de livros electrónicos, tradução e apoio ao mercado livreiro. É destas ousadias que necessitamos. E também voltar exigir qualificação específica para o exercício de funções nas bibliotecas. Requalificar, dignificar, reconhecer os profissionais de Ciência da Informação e Documentação. Exigir que nas bibliotecas trabalham exclusivamente técnicos qualificados em Ciência da Informação e Documentação. E tal como nos Museus os dirigentes das equipas de biblioteca sejam Directores de Bibliotecas. O país (como existe em países avançados), precisa da ousadia de ter uma Lei de Bibliotecas Públicas.
A Tese de Doutoramento de (Regedor, 2014) indica que “Os responsáveis políticos maioritariamente consideram vantajosa uma eventual lei de bibliotecas que incluía princípios normativos referentes ao orçamento, volume de fundos, recursos humanos, definição das competências do bibliotecário e perfil da figura do diretor da biblioteca. Do ponto de vista dos técnicos, a opinião maioritária defende a vantagem da existência de uma lei de bibliotecas que inclua normas sobre a institucionalização da figura do Diretor, mormente de este ser especialista em CID/BAD, orçamento, recursos humanos especializados, volume de fundos e renovação da coleção”. (Regedor, 2014 p. 231). Muitos passos foram dados. Passos seguros, decididos, reflectidos e corajosos. Muitos mais serão dados com igual ponderação e ousadia. As bibliotecas serão cada vez mais uma realidade assumida pelas populações. a leitura nas suas diversas formas será cada vez mais uma naturalidade nas diversas gerações.
António Borges Regedor
Em 2000 participei no programa PAB (Programa de Análise de Bibliotecas) financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian em parceria com a Fundação Bertelsmann da Catalunha. Em Portugal a Rede de Bibliotecas da FCG, constituia o SBAL (Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura) dirigido á época por Vasco Graça Moura e por Helena Melin Borges. Foi uma direcção que percebeu a necessidade de requalificar a rede de bibliotecas gulbenkian, e empreendeu a tarefa. Percebi que o alcance do projecto pretendido ia para além da análise e avaliação de bibliotecas públicas com vista a obter um modelo de referência para e o SBAL e Rede Gulbenkian.
O estudo estatístico rigoroso, pormenorizado e analisado servia a gestão e a direcção estratégica da biblioteca, e constituía de forma não menos importante a função de imagem, marketing e de confiança para os financiadores. Foi um período em que as bibliotecas públicas do projecto tiveram financiamento público e privado.
Foi exactamente esse argumento que utilizei para mobilizar e motivar os colaboradores da Biblioteca de Espinho. E que deu bons resultados. Melhorou-se nas colecções e na informatização, na extensão cultural e na capacidade material de resposta, nos outputs. O mais visível foi o facto de a partir daí a biblioteca de Espinho passar a ter uma carrinha itinerante que foi oferecida pela Fundação Calouste Gulbenkian. (Ainda hoje sinto a enorme satisfação de ter retirado a carrinha da garagem da Gulbenkian para a entregar ao funcionário da Câmara de Espinho, o “Zé bombeiro”, que a conduziu até esta cidade).
A IFLA (Federação Internacional das Associações de Bibliotecas) aprovou em 2010 o Manifesto para as Estatísticas de Biblioteca que refere essa posição. Citando a IFLA:
“Las estadísticas bibliotecarias son necesarias para una gestión eficaz de las bibliotecas, pero aún lo son más para promocionar los servicios de la biblioteca entre los diferentes tipos de actores (...) Las estadísticas que están dirigidas a los responsables de las políticas, gestores y financiadores, son esenciales para decidir sobre niveles de servicio y planificación estratégica para el futuro.”
O mesmo tenho dito aos meus alunos de análise e avaliação de bibliotecas e centros de documentação. As estatísticas de biblioteca, não têm apenas a visão negativa da métrica do trabalho aí efectuado. Quando se trabalha bem, não há que ter medo das métricas. Elas servem essencialmente para valorizar a imagem e denotar as competências.
A quatro de Setembro de 1956 inicam-se as emissões experimentais de televisão em Portugal. Passaram a emissões regulares a sete de Março do ano seguinte. A Televisão em Portugal chega antes do livro e da leitura. Por esta altura a taxa de analfabetismo era enorme, quase 35% da população. (Regedor, 2014) O regime de ditadura tinha reduzido a escolaridade obrigatória a três anos. O primeiro grau do ensino primário. Só tinha de fazer o segundo grau quem continuasse os estudos. E muito poucos o faziam. Também à época podiam ser professores do ensino primário pessoas apenas com a quarta classe. Tempo cinzento, de pé descalço, do tempo das ilhas sem luz, sem aquecimento nem água calanizada. A televisão vem deslumbrar uma população que nunca se tinha deslumbrado com os livros. Nem com a leitura da Biblia como acontecia no mundo protestante. Assim, “dois anos depois do início das emissões de televisão em Portugal, a 4 de Setembro de 1956, na Fundação Calouste Gulbenkian iniciava-se um novo serviço de educação, de acordo com a vontade testamentária do seu fundador, Calouste Sarkis Gulbenkian”. (Regedor, 2014: 93) É uma entidade privada que presta o serviço público da leitura, enquanto a administração pública se preocupa com a televisão como instrumento ideológico, de formatação de gostos e consciências, programação e manipulação da opinião pública.
Em 1958, da sede da fundação, em Lisboa, partiam as primeiras carrinhas com cerca de três mil (3.000) livros cada uma. Iniciava-se assim o Serviço de Bibliotecas Itinerantes da FCG. (Regedor , 2014). Assim começou a construir-se uma rede nacional de leitura pública em Portugal, coisa que nunca na história do País tinha existido. Durou até 2002. Entretanto em 1986 dáse o primeiro passo para a criação da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas da responsabilidade conjunta da Administração Central e Local. Doze anos após a instauração da democracia. A televisão que chegou primeiro, ganhou distãncia, criou hábitos, ainda hoje ganha ao livro. O tempo corre diferente, tal como em Aquiles que não consegue alcançar a tartaruga.
Regedor, António Borges - Bibliotecas, Informação, Cidadania. Políticas Bibliotecárias em Portugal. Séculos XIX-XX, I volume . Porto: Universidade Fernando Pessoa. 2014 http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/4291/1/PhD%20_Volume%20I%5B1%5D-VF.pdf
Muitos de nós ainda têm a imagem das carrinhas bibliotecas itinerantes que percorriam o país a emprestar livros.
Foi para muitos o primeiro e único contacto, mais ou menos livre, com os livros.
Hoje as itinerantes têm missões diferentes. A de complementar as redes concelhias de bibliotecas de leitura pública. A de articular as bibliotecas de leitura pública com as redes concelhias de bibliotecas escolares. A de apoiar a biblioteca de leitura pública a realizar eventos fora do edifício central, em locais ou zonas habitacionais onde ainda não existam infraestruturas de leitura pública. A de articular a biblioteca com as colectividades e associações locais. A de levar o livro a casa dos que não se podem deslocar à biblioteca ou aos seus pólos por razões de mobilidade.
A carrinha da imagem, foi a última que a Fundação Calouste Gulbenkian entregou a uma Biblioteca de Leitura Pública antes do seu Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura (SBAL) ter encerrado.
Em Espinho, durante algum tempo, este serviço foi assegurado pela Josefina e pela Carla, na imagem mostrando satisfação.
António Regedor
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