
Com a partida a poder fazer-se na estação de São Bento podemos iniciar uma viagem que gostaríamos fosse mais longa. Apanhar o comboio numa bela estação. Por passe de magia entra-se na escuridão de um túnel e em pouco somos colocados na grande estação de Campanhã e no comboio da Linha do Douro. À medida que se vai afastando do Porto, a paisagem urbana e suburbana vai dando lugar à ruralidade e a impressão estética e cromática impõe-se ao longo do Vale do Douro. A linha de caminho de ferro acompanha quase fielmente a sinuosidade do rio. Parece querer ir com ele ou através dele. Uma parceria perfeita. O rio traçou o vale a seu custo e gosto. O comboio acompanha-o a seu gosto e custo. Em alguns momentos o comboio deu o seu toque de pormenor como a fazer adorno em paisagem já de si bela. Escavou túnel numa rocha mais saliente que fica como brinco na orelha do rio. Uma ponte de ferro na passagem de um afluente como alfinete que liga peças coloridas unindo a paisagem. Uma estação e seus complementos como apontamento no padrão tecido da natureza. O marulhar das águas e o som das rodas nos carris são o compasso e harmonia que rasga em sinfonia heróica o silêncio da paisagem. De um e outro lado do rio e do comboio tudo é vinhedo que o braço humano moldou na paisagem agreste sulcada a socalcos. O comboio avança pela Régua, Pinhão, Tua e pode mesmo chegar ao Pocinho. A Barca d’Alva já não vai desde 1988. E entrar por Espanha até Salamanca seria desejável.
É a viagem ao coração do "terroir" que produz o néctar com que se fazem as libações nos mais variados momentos solenes.
António Borges Regedor