. As bibliotecas no Estado ...
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
São quase 11 horas. Cheguei ao Rumo na Rua N. S. de Fátima por volta das nove e meia. Marquei a presença com os conhecidos do costume, com as conversas do costume. Saio só em direcção à Rotunda. Depois à direita para a Av. de França e ainda uma outra vez à direita. Os panfletos tinham sido feitos na casa que servia de tipografia clandestina. Tínhamos lá estado dias antes. O copiador “Gestetner” era rápido e o stencil de carbono tinha vindo de França. Já não precisávamos de noites e dias seguidos a imprimir folha a folha no “vietnamita”. Essa caixa simples onde colocar a folha, baixar o caixilho do stencil, colocar tinta no rolo de borracha, passar o rolo pela caixa, e ter uma folha impressa. Se tudo corresse bem, se não sujasse os dedos e se ao pegar na folha não a marcasse com impressões digitais e a tivesse de deitar fora.
Estes tinham sido uma limpeza. Um luxo tipográfico. Tinham vindo no dia anterior de comboio dentro de numa mala vermelha. Sim, vermelha, porque não !?. Quem iria desconfiar de mais um passageiro a sair na estação da Avenida de França?
Os panfletos eram colocados no corpo, por dentro da camisa. O sobretudo arredondava as formas. Os dois camaradas aguardavam já no interior da Rotunda. Íamos para a zona das Campinas e Aldoar. Distribuir os panfletos nos vários bairros circundantes da zona industrial. “Nem Marcelo, Nem Spínola” assim era o título dos dessa noite, já a 25 de Abril de 1974.
António Borges Regedor
Nasci num tempo em que o maior medo de contágio era a tuberculose. A doença tinha muito por onde progredir nos meios tocados pela fome e que viviam nas ilhas insalubres sem luz eléctrica, sem água canalizada, sem quartos de banho e com uma latrina partilhada. Assim vivia nos anos cinquenta a maioria da população portuguesa. Os tuberculosos, e eram tantos, que justificavam a existência de locais só para os atender. Eram isolados em sanatórios localizados em locais ermos no cimo das montanhas ou alguns à beira-mar. Aos segregados em casa eram-lhes separadas as roupas, talheres e louça. Para a matrícula na escola ou para ter emprego era necessária uma prova em como não estava tuberculoso. Apresentei micro-radiografias em todos os anos por altura das matrículas na escola.
O outro grande medo era o de ser espiado, escutado pela PIDE, a polícia política. Tal como agora evitavam-se os ajuntamentos. Medo de sermos ouvidos a dizer alguma coisa que fosse inconveniente, vistos com alguém que desagradava ao regime. Perseguidos pelo medo agia-se de forma conveniente, respondia-se como se esperava. O medo tolhia.
Nos anos sessenta surgiu um novo medo. O da guerra colonial. O regime viu nas suas províncias ultramarinas tornarem-se palcos de guerra. Encenadores ditatoriais fizeram dos portugueses actores em teatros de operações militares. O medo instalou-se com a perspectiva de ter de ir fazer guerra na Índia, Timor, Moçambique, Angola e Guiné, ou reforçar militarmente , Macau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Madeira e Açores.
A contaminação da guerra colonial foi tão grande que a cura começou com um levantamento falhado do Regimento de infantaria nº 5 sediado nas Caldas da Rainha. Fui encontrar estes militares em Junho de 1974 no RI5 das Caldas, onde me deram instrução militar, depois de terem sido libertados pelo 25 Abril de 74. O Golpe militar que acabou com os medos e encorajou à maior revolução económica e social na história de Portugal.
O crescimento económico e desenvolvimento social, cultural, científico foi travado por uma crise de sub-prime que rebentou nos estado unidos da américa e se espalhou fortemente na Europa apanhando Portugal como um dos elos mais fracos. A maior crise económica de que tenho memória na minha vida. Nova crise, novos medos. Estes no que disseram respeito aos rendimentos, à continuidade de qualidade de vida, à insegurança na saúde e velhice. O medo dos jovens não vislumbrarem horizonte de vida, dos adultos a meio da idade verem cair repentinamente o fim do emprego e da esperança de o voltar a ver, o medo dos mais idosos saberem em que condições se abreviaria a sua vida.
Ainda não saídos totalmente da última crise de vida, de emprego, de futuro, eis que mergulhamos noutro medo. O medo da nossa saúde abalar irremediavelmente pela acção de um vírus desconhecido, de rápida progressão epidemiológica, de maior agressividade para com as gerações mais idosas, agravando patologias já existentes, e que faz dos mais resistentes transmissores invisíveis, assintomáticos e involuntários. O medo da contaminação, o medo da transmissão, o medo de não conseguir resistir ao tratamento das doenças associadas, já que para o vírus não há tratamento nem vacina. O medo de a vacina não estar pronta a tempo das novas vagas. O medo do surto de contaminação ser tão grande que não seja comportado pela capacidade instalada do Serviço Nacional de Saúde. O medo dos recursos médicos serem abalados de tal modo que não possam tratar de si nem dos outros. O medo dos comportamentos irracionais que não ajudem à contenção da doença. O medo até de ter medo que as coisas piorem. O medo das repercussões económicas e financeiras futuras.
Mas tal como na guerra o medo é necessário para nos proteger. Esta consciência do medo também nos deve ajudar a proteger.
António Borges Regedor
Manifestação de 15 de Abril de 1972 no Porto contra a Carestia de Vida
Faz hoje quarenta e sete anos que no Porto se realizou, em pleno regime de ditadura, uma manifestação contra a carestia de vida. A poucos dias do 1º de Maio, data festiva na Europa Democrática, mas proibida em Portugal de Ditadura. Até aí, o 1º de Maio ia tentando ser comemorado tanto quanto possível. O local de concentração era a baixa do Porto, essencialmente a Praça D. Pedro IV, ou Praça da Liberdade, antiga Praça Nova onde esteve o edifício da antiga Câmara Municipal. Nesses tempos a concentração de pessoas que mais ou menos deambulavam pela Praça e se estendiam pela Avenida dos Aliados e ruas e praças adjacentes, era nitidamente maior. Mas nada de manifestações como hoje as conhecemos, já que ao menor aglomerado de pessoas a polícia presente em força mandava dispersar. À época corria a piada que mais de dois era ajuntamento.
Foi para esta praça que a manifestação contra a carestia de vida foi convocada. A Praça e a Avenida eram os pontos términos de eléctricos e autocarros, e na proximidade da Estação de S. Bento e não longe da estação da Trindade. Local, portanto de muita concentração, para tomada de transportes e de passagem de um para outro modo de transporte. A manifestação, como as outras foi marcada para o fim da tarde, hora de saída dos empregos e portanto de muita gente.
Nesse dia do ano de 1972, e em resultado de grande quantidade de folhetos distribuídos clandestinamente, a Praça estava nitidamente diferente. O Ambiente político era qualitativamente diferente. Poucos anos antes, em 1970 tinha sido fundada a intersindical. Estava-se numa crise que vinha já desde 1970, com elevadas taxas de inflação. Quase metade do orçamento de estado era gasto na guerra colonial.
O Regime também se tinha preparado para esse dia. As forças policiais, a chamada polícia de choque, equipada com capacete, escudo, e bastão, estava concentrada nos cinco pontos estratégicos para o cerco à Praça da Liberdade e à Avenida dos Aliados. Estava atrás da Câmara Municipal, na Praça Filipa de Lencastre, Praça D. João I, Largo dos Lóios e Estação de S. Bento. E dispersos um pouco por toda a Praça da Liberdade os pides e legionários que se encarregariam de vigiar e provocar a dispersão, prender e carregar com bastões sobre as gentes concentradas, fossem ou não manifestantes.
Foi o que fizeram, logo que uma bandeira nacional foi levantada por um manifestante junto à estátua de D. Pedro iV na Praça da Liberdade. Uma mole de gente compacta avançou no sentido da Avenida da Liberdade. Quem levava a Bandeira Nacional só conseguiu atravessar os metros de rua. Os pides e legionários identificaram-se com braçadeiras e fitas que ocultavam nos bolsos dos casacos. Desde logo e por todos os lados havia pides e legionários à bastonada indiscriminada. De todos os pontos saíram os polícias de choque. Todas as ruas ficaram bloqueadas. As correrias de fuga eram travadas com barragens de polícias que freneticamente espancava todos, sem distinção, manifestantes ou não. Em poucos minutos, fugiu quem pode. Muitos refugiados em estabelecimentos. Cafés que cerravam as portas e corriam cortinas. Corpos tombado no chão por espancamento. O trânsito cortado e a evacuação dos que se tinham escondido nos cafés da baixa, era feita em fila indiana, entre as paredes e filas de polícias e observados pelos pides. O 1º de Maio não teve história nesse ano. Foi preciso passar mais um 1º de Maio em ditadura. Só em 1974 em Abril e já quase no fim do mês se abriu a Praça da Liberdade à Liberdade.
António Regedor
O preâmbulo do Decreto n.º 13724 de 1927, apesar de considerar inovadora a anterior política de bibliotecas, reporta-se às questões da necessidade de poupança de recursos materiais e humanos, com estes equipamentos.
Neste contexto, faz-se referência à difícil e frágil situação financeira vivida no país, para o que se carreia para o texto legislativo o argumento do aumento do custo do livro e do jornal, reconhecendo que o grande público só poderá ler na biblioteca. Assim faz parecer que o texto legislativo comporta uma maior preocupação em justificar a incapacidade de constituir bibliotecas públicas, do que em legislar decididamente no sentido da sua concretização.
E, mais uma vez, é endossada para as autarquias locais a responsabilidade de criarem bibliotecas e de suportarem os seus custos. O legislador refere que ao “Estado compete somente dar o primeiro impulso”, pois, de acordo com a lei, caberá às câmaras municipais a responsabilidade da dotação necessária, extraída das suas receitas ordinárias, para a constituição das unidades locais (Decreto n.º 13726 de 1927, artigo 18).
Outra preocupação da legislação do Estado Novo é o controlo ideológico, seja no que respeita a proibições ou orientações. Afirma-se ser manifestamente proibido “fornecer ao público livros, revistas e panfletos que contenham doutrinas imorais e contrárias à segurança do Estado” (Decreto número 13726 de 1927, artigo 21.º). Ou ainda: “Às bibliotecas está reservada uma função importante na luta contra o analfabetismo. E a própria vida nacional tomará, decerto, outra cor: não será simplesmente a extensão de conhecimentos, mas também a formação moral, a aquisição de hábitos de seriedade, de probidade, de altruísmo, de ordem, que a leitura sem dúvida promove.” (Decreto-lei número
36147, 5 de Fevereiro de 1947, Preâmbulo).
O mesmo diploma sustentava a ideia de que estava “vedada aos professores a incorporação de quaisquer obras além das aprovadas nos termos deste decreto-lei, ainda que gratuitamente cedidas” (Decreto-lei n.º 36147, de 5 de Fevereiro de 1947, artigo 5.º).
António Borges Regedor
FEIRAS DO LIVRO
Com a atenção virada para os blogues e o encontro de CTDI até as Feiras do Livro passam esquecidas. Começaram a 24 do mês passado, em rigor começaram em Maio de
Confesso que prefiro as feiras do Livro em espaço fechado. Mais intimo e menos dependente dos humores do tempo. Mais identidade e menos feira das farturas. Mais intencionalidade e menos dispersão.
. Livros que falam de livro...
. Dança
. Rebooting Public Librarie...