. Comboio do meu contentame...
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Portugal tem, nesta data, electrificada toda a extensão ferroviária de Faro a Valença. Por sua vez, a Espanha tem electrificada a linha que vai da Corunha a Ourense a 25 Mil volts. Mas de Ourense a Vigo a electrificação é apenas de 3 Mil volts. Do lado Português a tensão é igualmente de 25Mil volts.
Seria suposto que electrificada a linha, fosse possível fazer a ligação litoral entre a Corunha e Faro. E naturalmente ligar a todas as outras derivações. Mas não pode acontecer tão simplesmente porque os Espanhóis a Vigo e a Tui, na fronteira portuguesa fizeram uma electrificação com uma tensão diferente.
Essa diferença coloca um problema técnico só resolvido pela utilização de comboios com bi-tensão. Os comboios que podem fazer a transição de tensão. São comboios que obviamente são mais caros e que só a Espanha tem.
Assim por poucos kilómetros a Espanha acaba por inviabilizar o mesmo comboio fazer a ligação Internacional. Os comboios electricos portugueses apenas podem circular até Valença. Doutra forma terão de ser usados os antigos comboios a diesel.
António Boeges Regedor
O comboio tem ainda um potencial valor na actividade turística. Viagens de lazer, temáticas ou históricas são potenciadoras do uso do comboio. No caso específico das viagens históricas pode mesmo ser a forma de manter locomotivas, carruagens, percursos, mobiliário e equipamento de época. São viagens que permitem muito valor acrescentado. A viagem num comboio histórico é um exercício de memória e história.
Faz algum tempo que viajei na Linha do Douro. Já tinha feito a viagem de subida do Rio Douro em barco e fazia agora sentido ver o rio pela perspectiva do comboio. Viajei numa das famosas carruagens Schindler. O primeiro impacto é a grande dimensão das janelas. Panorâmicas, adequadas ao usufruto da maravilhosa paisagem. Excelente para fotografar. São confortáveis, espaçosas, agradáveis. Soube há pouco que havia treze destas carruagens abandonadas e espalhadas por vários pontos de país. Desde a célebre Resolução de 19 de Fevereiro de 1988 de Cavaco Silva que a ferrovia foi abandonada. Seguiu-se o tempo do betão, dos negócios das obras públicas, da rodovia e das parcerias público-privadas que roubaram o país. Deixou de haver manutenção nas linhas férreas. Várias linhas foram encerradas. O material circulante abandonado. Desses abandonos e desmantelamentos foram agora resgatadas as referidas treze carruagens Schindler iguais ás que circulam diariamente na Suíça. Pelo que sei, a recuperação implica a desmontagem de quase todos os componentes. Entre os quais, a estrutura, portas, janelas, iluminação, bancos, equipamento de segurança e obviamente pintura e embelezamento necessário.
Ficou a vontade de repetir a viagem. Agora transportando bicicleta para fazer uma das ecovias nos canais de circulação que resultaram do abandono das linhas que conectavam a Linha do Douro.
António Borges Regedor
Lembro-me de ser muito pequeno e andar de comboio. Foi numa viagem na linha do Douro e numa das suas derivações. É uma imagem que mantenho na memória mas que não identifico como sendo da linha do Corgo ou do Sabor. A imagem é de um comboio com locomotiva a vapor. As carruagens eram de madeira com varandins abertos e balaustrada de ferro. Na época havia ainda a carruagens de terceira classe. Os preços não se limitavam a primeira e segunda classe. a estratificação social tinha três níveis. A passagem entre carruagens podia fazer-se por uma porta do varandim de uma carruagem, para o varandim da outra. Uma imagem que não se me apaga da memória pelo impacto visual que me fez a linha a correr por baixo da carruagem. A grande velocidade que a idade de deu a perceber. A proximidade dos taludes. A sensação de perigo, de aventura, de me sentir destemido. O barulho dos carris e do ritmado som da passagem das folgas de dilatação. Esse descontinuo da linha que lhe dá continuidade segura. O cheiro a carvão queimado e as faúlhas voadoras algumas ainda incandescentes. A paisagem fugidia e a sensação do meu equilíbrio no comboio voador. Há dias revivi essa parte da minha infância no comboio histórico da linha do Vouga. O meu contentamento.
António Borges Regedor
Era o ano de 1995. Numa viagem de trabalho que fiz à Dinamarca fiquei alojado num Hotel em frente da Estação Central em Copenhaga. O Hotel tinha a impressionante vista de uma enorme praça completamente cheia de bicicletas estacionadas.
Para todo o lado onde eu e os meus colegas tivemos de ir, havia comboio. O programa de trabalho foi intenso mas o comboio foi sempre o nosso meio de transporte. Fomos a Ballerup, Hillrod, Frederiksvaert, Roskild, Gadstrup, Ringsted. Holbaek, Naestved, Kastrup. Para todas estas cidades circundantes de Copenhaga num raio de cerca de 50 Km havia comboio.
A Dinamarca não embarcou na criminosa destruição da ferrovia para fazer rodovia. Pelo contrário.
A rede ferroviária é excelente. Os transportes públicos são excelentes. Os dinamarqueses usam preferencialmente a bicicleta.
Nota: Na foto carruagens históricas recuperadas dos caminhos de ferro portugueses.
Percorrendo a Ecopista do Corgo
A Ecopista do Corgo resulta do canal por onde circulava o comboio da Régua a Chaves.
Esta linha de caminho de ferro foi inaugurada em 1906 até Vila Real e em 1921 chegou a Chaves.
Foi com a política do betão de Cavaco Silva que se desinvestiu na ferrovia. O país foi atirado para a construção de autoestradas. O troço de Vila Real para Chaves foi encerrado em 1990.
Com Sócrates a ligação da Régua para Vila Real foi encerrada para obras e com o Passos Coelho encerrou definitivamente.
O canal é agora uma ecovia e faz parte do caminho de Santiago e Fátima.
Fiz, em bicicleta, o troço de Vila Real a Vila Pouca de Aguiar. A parte urbana de Vila Real está a ser beneficiada (piso, iluminação etc.) Fora da cidade o piso é em terra. Mas a melhor parte do percurso é no Concelho de Vila Pouca. Aqui tem piso asfaltado, as bermas limpas e com corte de silvas.
Tudo muito lindo, mas ainda mais, se o comboio voltasse a circular nesta linha.
António Borges Regedor
Locomotiva, a máquina a vapor que é produto da revolução industrial, mas ao mesmo tempo produtora dessa mesma revolução que a produziu. Era assim como uma pescadinha de rabo na boca. Os comboios, à época, eram composições formadas por uma significativa diversidade de carruagens. Locomotiva, vagão do carvão, vagão cisterna da água, carruagem do correio, carruagens de passageiros e no fim as carruagens de mercadorias.
As carruagens de passageiros eram estratificadas em três classes de conforto ou falta dele. Cada categoria de carruagem de passageiros tinha o preço a que cada classe social podia aceder. Os burgueses industriais ou comerciante enriqueciam. Os nobres empobreciam e em breve iriam falir e só ficar com os títulos, a arrogância e a frustração. Os servidores públicos, profissionais liberais, intelectuais de alguma posse ou rendimento, estavam no meio da escala social, e por isso a sua necessidade de afirmação política. Finalmente a arraia miúda, os pés descalços, a tropa fandanga, serviçais, criados e jornaleiros.
Cada um seguia na carruagem da vida e na que lhe correspondia no caminho de ferro.
No fim do comboio seguem as carruagens de mercadorias. Vão carregadas com matérias primas ou produtos acabados. São pedaços suados das minas, da agricultura, das oficinas e fabriquetas. Há carruagens para animais vivos, mais mortos que vivos pela viagem, a caminho do matadouro.
É a locomotiva da vida, da revolução industrial. A locomotiva que passou a levar as notícias mais depressa, as ideias mais longe, e também puxou revoluções. A locomotiva que tirou gente do campo e os levou à cidade. A máquina do comboio mágico que engolia camponeses num lado e vomitava proletários noutro lugar. A locomotiva que no fim de cada linha iniciava nova era.
O comboio que produziu a burguesia e que atirou a aristocracia para o tombo de história; Que deu luz à ciência e à técnica e ofuscou o clero; A locomotiva que puxou o comboio da história com novas ideias sociais e políticas. O comboio do liberalismo com nova economia e nova organização social. A locomotiva liberal que cilindrou o clero com a mais radical política anti-clerical na história de Portugal. O comboio que expulsou as ordens religiosas, lhes expropriou os bens, edifícios, igrejas, bibliotecas. A locomotiva da reforma administrativa que retirou ao clero as freguesias e os registos de nascimentos e óbitos. A máquina a vapor que encurtou distâncias; levou as gentes mais longe; rasgou caminhos; abriu horizontes. O comboio mudou o tempo, alterou a paisagem, queimou etapas. A máquina a vapor mudou o pensamento, a ciência, a filosofia, a pintura, a literatura. A locomotiva fez revoluções, escreveu História.
António Borges Regedor
Aguardava o último comboio do dia e o que faria ligação na estação central. Linha única ao longo do percurso. Só dupla nas estações para cruzamento dos comboios. Ainda o sol ia quente e o melhor que se podia encontrar era a sombra de pequenas árvores, e elas também com sede. O tempo ia passando para além da hora de tabela do comboio, e o tempo aumentava o estranho da situação. Demasiado tempo era já motivo para descartar o atraso e colocar outra hipótese. Perguntando o motivo do significativo atraso, a resposta foi a de que a locomotiva teria avariado mas que a composição já teria saído com atraso que eventualmente poderia ser recuperado em parte. Foi recobrada a paciência para continuar a espera, até que surgiu ao longe o comboio ansiosamente desejado. Era uma composição com duas locomotivas. A que efectivamente locomovia, e a outra que por avaria e sem capacidade própria se deixava arrastar. Não que não quisesse, mas por não poder. Para além destas, vinham as duas carruagens de passageiros. Uma bizarra composição de duas locomotivas para duas carruagens. Já dentro do comboio e com grande atraso, sem outras composições para cruzar, sem mais ninguém que aquele único comboio naquela única linha, foi então ver do que era capaz aquela locomotiva. O arrancar era penoso, o ganhar velocidade era lento, mas quando lançada na sua força máxima era vê-la cortar o vento que entrava quente pelas janelas abertas, o som ritmado, rápido, do deslizar nos carris, o chiar da fricção das rodas nos carris ao fazer as curvas, sem abrandar, a querer voar galgando distância, a comer tempo engolindo o ar e a sentir realmente o que é um cavalo de ferro.
António Borges Regedor
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