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A Biblioteca Museu foi um conceito de biblioteca que entrou em Portugal por via do iluminismo, um período de mudança de mentalidades. Um tempo de grandes transformações. As colecções de livros já não se circunscreviam apenas ás livrarias conventuais e monásticas. Desde os séculos XII e XIII que se vêm a constituir muitas bibliotecas privadas. É o tempo do desenvolvimento comercial e dos mesteres tão necessários à navegação marítima. Crescimento das cidades. E a necessidade de letrados para os registos, os contratos, as traduções necessárias ao desenvolvimento comercial e económico das cidades. Os letrados da época, designados por clérigos não eram já formados exclusivamente nos colégios episcopais. Formavam-se agora nas Universidades. Pagas pelos burgueses das cidades e pelos nobres que a elas acorriam. Chamavam até si Mestres, a quem pagavam para os ensinar, e com eles formar corporação e ter direitos próprios.
No século XVIII as reformas da Universidade de Coimbra e do ensino tendem ainda mais à secularização da educação. No plano científico verificamos a fundação da Real Academia de História (1720), a fundação do Real Colégio dos Nobres (1761), a formação da Imprensa Régia (1772), a lei relativa à organização do ensino primário (1772) e, finalmente, a fundação da Academia Real das Ciências (1779). Foi instituída a formação profissional dirigida a comerciantes e técnicos industriais, com a instituição da Aula de Comércio, em 1759, uma das primeiras na Europa.
As mudanças no pensamento, na ciência e educação acompanharam a mudança de conceito de Biblioteca, que irá passar gradualmente da esfera privada para a esfera pública. A Real Biblioteca Pública da Corte , em 1836, passará a ser Biblioteca Nacional de Lisboa.
Há duas figuras centrais neste desenvolvimento do conceito de biblioteca. Foram Frei Manuel do Cenáculo e António Ribeiro dos Santos .
Por volta de 1779 havia em Portugal duas mil quatrocentas e vinte (2420) bibliotecas particulares, das quais novecentas e trinta e cinco (935) pertenciam ao clero. (Guedes, 1987). Mais de duas centenas (221) eram bibliotecas de pessoas com formação jurídica, onde a preferência, para além dos livros de direito, incidia sobre monografias e obras de literatura, história e religião. Nas cento e vinte e seis (126) bibliotecas de médicos, além dos livros de natureza médica, os gostos estavam ordenados por literatura, religião e história, áreas disciplinares preferenciais ao tempo.
Tal como refere Pereira (2006), em finais do século XVIII, surge a ideia de criar em
Portugal uma biblioteca de carácter público na Corte. Ideia que provinha dos tempos de
Pombal e de Frei Manuel do Cenáculo. O acervo será constituído pelos livros da Real
Mesa Censória que Cenáculo enriqueceu e com a doação e incorporação de outros fundos.
Vaz (2006) faz salientar que no espírito de Frei Manuel do Cenáculo presidia
a ideia de que as bibliotecas só fariam sentido se abertas ao público, tendo-se insurgido
contra os coleccionadores que trancavam os livros.
Paralelamente, é importante referir que a imagem de biblioteca permanece associada a
museu. Nela encontramos outras espécies que não apenas os livros, como se nota na
descrição de Pereira (2006), ao referir a existência de medalhas, numa versão
correspondente à concepção de biblioteca partilhada por Cenáculo.
Segundo Brigola (2006) terão influenciado esta concepção de Biblioteca-Museu,
mormente o cardeal Ângelo Maria Querini (1680-1755), bispo de Brescia, fundador e
doador de uma Biblioteca-Museu (1750), com quem Cenáculo se encontrou em Roma(1750); assim como Tommaso Campanella, com a obra intitulada Civitas solis vel de republicae idea (A Cidade do Sol), publicada em 1602.
Durante ainda muito tempo foi-se mantendo a concepção de biblioteca-museu, paralelamente ao conceito de biblioteca pública considerada a servir um público erudito conforme aos ideais iluministas.
Poucos anos depois, com a revolução liberal, os conventos e mosteiros foram extintos e foi com os fundos das livrarias conventuais que se formaram as primeiras bibliotecas públicas em Portugal.
Odiernamente o conceito de biblioteca pública é radicalmente diferente. Mantem-se no entanto a necessidade da preservação dos fundos antigos patrimoniais em bibliotecas especificamente concebidas a esse fim.
Das bibliotecas-museu, não restam mais que estes espaços de memória. Deixaram de fazer sentido.
Bibliografia:
Brigola, João Carlos (2006) – “Frei Manuel do Cenáculo – Semeador de Bibliotecas e
de Museus. O conceito de Biblioteca-Museu na Museologia Setecentista”, in: Vaz,
Francisco A. Lourenço e Calixto, José António, Frei Manuel do Cenáculo, Construtor
de Bibliotecas, Casal de Cambra: Caleidoscópio, pp. 47-53.
Pereira, José Esteves (2006) – “Ribeiro dos Santos, Cenáculo e a criação da Real
Biblioteca Pública”, in: Vaz, Francisco A. Lourenço e Calixto, José António, Frei
Manuel do Cenáculo, Construtor de Bibliotecas, Casal de Cambra: Caleidoscópio, pp. 11-21.
Regedor, A. Borges Regedor (2014) - Bibliotecas, Informação e Cidadania. Políticas Bibliotecárias em Portugal. Séculos XIX-XX p. 43-49
Vaz, Francisco António Lourenço (2006) – “A Fundação da Biblioteca Pública de
Évora”, in: Vaz, Francisco A. Lourenço e Calixto, José António, Frei Manuel do
Cenáculo, Construtor de Bibliotecas, Casal de Cambra: Caleidoscópio, pp. 5-9.
António Borges Regedor
Muitos ainda ficam chocados quando, de forma cada vez mais evidente, fornadas de jornalistas escrevem jornais (não fazem jornalismo) de veiculação de interesses económicos e políticos. É evidente que o jornalismo é difusor dos poderes que o influenciam.
Não é de agora. É da sua génese. O primeiro periódico, o “Gazeta em que se relatam as novas todas, que houve nesta corte, e que vieram de várias partes no mês de Novembro de 1641.”, saía sob a vigilância da Inquisição, O Santo Ofício criado em 1515. E saiu porque que foram concedidas “todas as licenças necessárias e privilégio Real”. Assim se dizia na época.
Um século depois da publicação da Gazeta e por influência das correntes iluministas, e acção do próprio Marquês de Pombal, algumas acções foram sendo tomadas para enfraquecer a Inquisição. Uma delas foi a criação em 1769 da Real Mesa Censória. Quis o destino que a colecção de livros da Mesa Censória viessem mais tarde a integrar, a Real Biblioteca Publica, e que mais tarde deu lugar à Biblioteca Nacional.
Apesar disso, a Inquisição perdurou até 1821 por acção da revolução Liberal. Nesse ano as Cortes Constituintes discutiram a liberdade de imprensa. Aquilo que os Iluministas iniciaram, os Liberais conseguiram. A anulação do controlo ideológico, científico e literário que a igreja teimava em exercer sobre o pensamento, a ciência e a política. O anticlericalismo dos liberais ajudou a liberdade de imprensa.
Claro que também o Liberalismo marcou as suas balizas de influência ideológica. Ficavam proibidos os abusos contra a Igreja, o Estado e os Bons Costumes.
Este novo enquadramento de liberdade de imprensa levou a que em pouco mais de três décadas, surgissem jornais que viveram a editar duas centenas de anos. O “Jornal do Comércio” em 1853, O “Comércio do Porto” em 1854, O “Diário de Notícias” em 1864, O “Primeiro de Janeiro” em 1869, o “Século” em 1881 e o” Jornal de Notícias” em 1888. E daí sempre a crescer, de tal modo que em 1910 havia 543 publicações periódicas. Tinha-se percebido que os jornais eram bons veículos para formar opinião. E havia jornais para todas as correntes de opinião política. Os Jornais tomavam partido, mas afirmavam-no abertamente.
O século XX abre novas formas de comunicação. Logo no início, em 1918 surge o cinema. A novidade não ficava alheia à anterior forma de comunicar. As sessões de cinema começavam com a projecção de magazine informativo. O que foi muito bem aproveitado politicamente pelos poderes como instrumento ideológico e de propaganda. O tempo era propício. Final da primeira guerra, grandes confrontos ideológicos saídos da vitória bolchevique, inflexão da grande influência anarquista para cada vez maior organização dos partidos comunistas e gestação dos movimentos fascistas de vários matizes. Preparação para guerra seguinte.
Logo a seguir em 1924 começam as primeiras emissões de rádio. E rapidamente este meio de comunicação conquista a maioria do público. Torna-se o elemento de propaganda preferencial. É com a rádio que se difunde a propaganda de Hitler, Mussolini. É pela rádio que ficaram registados os mais carismáticos discursos de Salazar. Esses discursos são feitos sob o controlo da ditadura já que a censura foi instaurada com o golpe de estado de 1926 e durou até à Revolução de Abril de 1974. Em Portugal, ao Rádio Clube Português é de 1931, a Emissora Nacional de 1935 e a Rádio Renascença de 1936.
Segue-se na evolução comunicacional a Televisão, com a RTP a iniciar as transmissões em 1957. O último dos meios de comunicação do paradigma de informação de um para todos, e a que McLuhan (1) designava de meio de comunicação frio. A imagem passou a estar em casa de todos e a propaganda também. A televisão moldou as gerações da segunda metade do século XX. Alterou modelos de comportamento, hábitos de consumo, modos de relacionamento, ideologias. Só foi superada pela internet.
Um novo paradigma de comunicação surge com as comunicações em linha, em tempo real, com a capacidade de escrever de um para todos, mas essencialmente de todos a escreverem para todos. O tempo de estar em rede, comunicar em rede e construir pensamento em rede. Com tudo de bom e de mau que isso representa.
Deixou de haver na comunicação, a responsabilidade do profissional, o compromisso ético, o objectivo de narrar a verdade verificada. O burburinho próprio do adro, invadiu todo o quotidiano. No caos comunicacional, faz-se sentir a necessidade de construir um novo cosmos comunicacional.
(1) Marshall McLuhan. Os meios de comunicação: como extensões do homem. Editora Cultrix; 1974.
António Borges Regedor
Para dar abertura à notícia cultural: “A biblioteca dos livros proibidos”, publicado a 02.07.2017 às 16h30. No jornal expresso, as palavras de Valdemar Cruz são: “diz-se estar na posse da biblioteca do Palácio de Mafra a maior coleção de livros proibidos pela Inquisição”.
A notícia cultural, nada tem a ver com a Biblioteca do Convento de Mafra, mas sim com uma instalação feita com livros em algum momento proibidos.
Acontece que a colecção da biblioteca do convento de Mafra não era o depósito das obras proibidas em Portugal (apenas estava autorizada, por bula Papal de 1754, a incluir no seu acervo livros proibidos pelo index) e é de duvidar que o número de exemplares de obras inscritas no index seja superior a muitas outras instituições no estrangeiro e até em Portugal.
Obviamente que a maior colecção de livros censurados estará certamente no Arquivo Secreto do Vaticano. Já que era a igreja católica de Roma a analisar e a decidir se o livro tinha as autorizações para publicação ou passava a figurar no index.
No caso de o autor só se referir a Portugal, há também a dizer que a biblioteca da Real Mesa Censória criada em 1768 (o mosteiro de Mafra apenas iniciou a sua construção em 1717 e a basílica consagrada em 1730) visou transferir da igreja para o controlo directo do Estado a censura de todas as publicações em matéria religiosa, política e civil. Será de inferir que é esta colecção a mais extensa em matéria de livros proibidos, já que os analisava a todos. Esta colecção seria integrada na actual Biblioteca Nacional.
António Regedor
Fonte: http://expresso.sapo.pt/cultura/2017-07-02-A-biblioteca-dos-livros-proibidos
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