. Angoche: Os fantasmas do ...
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Há quatro anos a Associação CENÁRIO de que actualmente faço parte dos corpos gerentes realizou a X regata CENÁRIO (Centro Naútico da Ria de Ovar). A associação tem como objecto a preservação dos vários tipos de embarcações historicamente usadas na Ria de Aveiro. Entre elas estão os veleiros da classe “andorinha” que eram usados de forma lúdica e competição. A Associação constitui-se promotora da competição dessa classe. E na X regata realizou a competição da classe “andorinha” de que fui vencedor. Este ano a 2 de Outubro a Cenário organizará nova regata.
Angoche era o nome de um barco de cabotagem que fazia a viagem de Nacala para Pemba com carga que se diz ser armamento. Os dois portos são no norte de Moçambique e a viagem seria curta durante a noite. Saída ao fim de dia (17h30 ) e chagada de manhã (5h). Estranho que em cabotagem, navegação junto à costa, e em teatro de guerra, as autoridades portuguesas só três dias depois tomem conhecimento do desaparecimento do navio. É um agente da Pide que faz o relatório. Curiosamente o agente que mata Humberto Delgado e prepara a bomba que mata Eduardo Mondlane. E esse é o relatório que desaparece da Pide no golpe de 25 de Abril. As suspeitas são lançadas para os comunistas e o mesmo do relatório desaparecido. Os tripulantes desaparecem e nunca se soube notícia do seu paradeiro e destino. As publicações sobre o assunto na época são sucintas e as posteriores, em livro, inquinadas ideologicamente.
É sobre este cenário que Carlos Vale Ferraz escreve mais um romance. Magistralmente tal como já o tinha feito também a partir das ambiências da guerra colonial, que ele tão bem conhece, em “Nó Gego” e “A última viúva de África”. “Adensa-se o mistério do Angoche. A tripulação desaparecida.”Infrutíferas todas as tentativas para encontrar vestígios dos tripulantes, do passageiro e da baleeira desaparecida.” Pag. 26.
Neste romance, que se lê avidamente e de uma só golfada, o autor dá a ambiência de Lourenço Marques, e das movimentações de sectores militares. “Ardia a guerra no norte de Moçambique. Ardia no sul de Angola, na rodésia, Nas Nações Unidas, Na Organização da Unidade Africana , em Moscovo, em Pequim, em Nova Iorque, em Londres, e eles continuavam a frequentar os clubes – o Clube Militar, o Clube Naval, o Grémio -, a dançar nas boîtes dos hotéis Polana e Girasol, a ir à praia, à Costa do Sol, aos restaurantes, a consultar os médicos da África do Sul. “ pag 43. Deixa pistas interpretativas sobre o acontecimento. Mostra o mapa dos vários países da região e dos seus interesses, interconexões, rivalidades. “ O bloqueio não passava de uma farsa, de um faz de conta para as potências ocidentais satisfazerem o terceiro Mundo e se engalanarem de um discurso antocolonialista nas Nações Unidas.” Pag. 49. Naturalmente das movimentações das polícias e inteligence. Dos modos de vida local e muito de uma das figuras centrais dos interesses coloniais que é praticamente um segundo poder em Moçambique. “ ao contrário de Kaulza, que pensava apenas em si, Jardim, realista, possuía o sentido do tempo certo de formar um conjunto, a arte do dançarino que sobressai do elenco, mas necessita dele.” Pag 80. Jorge jardim. E tudo isto no contexto da política colonial portuguesa para a África. “em vez de aproveitar a oportunidade para preparar feitores locais, Salazar inaugurou um Ministério do Ultramar e Lisboa, de onde despachava capatazes como governadores!” pag. 81.
Espero que lhes tenha proporcionado a curiosidade na leitura de mais este excelente livro de Carlos Vale Ferraz , na Porto Editora em 2021.
António Borges Regedor
Imaginar a biblioteca-barco a percorrer a zona fronteiriça de Melgaço a Caminha e do lado Galego de Goyan a Creciente. Ou a subir o Douro navegável e visitar um sem número de localidade da beira rio afastadas das sedes de Concelho com bibliotecas. Navegar o Mondego e o Tejo. Fazer a ligação interior do grande lago peninsular que é o Alqueva. Ou voltando a cursar o rio que várias civilizações transportou do Al-Gharb a Alcoutim e Mértola, partilhando também com Sanlucar ou Ayamonte.
António Borges Regedor
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