
Bem ao gosto de Eça de Queiroz, é apresentada nesta terceira versão de “A tragédia da Rua das Flores” um retrato duro, cruel e caricato da sociedade de Lisboa dos finais do século XIX.
A Madame de Molineux pretendia realizar uma soirée em sua casa e “Um capricho! Um diabo dum capricho: Imagina tu. Diz que para esta primeira soirée queria ter de todas as classes: deu-me uma lista: militares, jornalistas, poetas, membros da Academia, diplomatas, cantores”. E a festa fez-se, Vitor viu “um velho cuja cabeça calva, com repas grisalhas repuxadas para as fontes, se enterrava na alta gola de veludo dum enorme casacão escuro”. Publicara um livro de fábulas de Esopo, outro de madrigais originais; vivia duma pensão do Estado. Pertencia à Academia Real das Ciências”.
“Ao pé duma mesinha de jogo...estava um grupo...uma era chamada a Pia de Tolomeu,... era nova, muito alta, com um penteado riçado...tinha na toilette um ar trapalhão e enxovalhado”... “ a outra era uma quarentona, de aspecto solteirão, grossa, quadrada, trigueirada, com um buço...” .
“Um dos sujeitos estendeu-lhe a mão: - Era o Carvalhosa- que fora seu contemporâneo em Coimbra, onde era conhecido pela sua porcaria e ilustre pelos seus vícios. Agora era deputado...”
“O ilustre Fonseca, com a cabeça no ar, o olhar errante, por trás dos óculos que reluziam à luz, passeava as pontas polpudas dos seus dedos de merceeiro, ao de leve, sobre o teclado sonoro... e ao lado, de pé, o poeta lírico passava, um pouco trémulo, a mão pela barba... E de repente disse: - contemplação...visão - É o título do poema.”
“O Sarrotini, de pé no meio da sala, fazia sortes de prestidigitação. Com as mangas do casaco arregaçadas, pedindo, a todo o momento, um ovo, um limão.”
Era assim O Eça. E que mais se pode fazer em dia de chuva, frio e vento?
António Regedor