Sábado, 21 de Junho de 2008
Há dias participei, por amável convite, numa tertúlia poética organizada no Agrupamento de Escolas Domingos Capela. A realização foi na Biblioteca Escolar e da responsabilidade do Departamento de Línguas e da Equipa da Biblioteca. Encontrei-me em ambiente agradável e com assinalável participação. Não levava nenhum poema preparado para ler, mas no meio da participação generalizada foi-me feita a provocação em forma de pergunta. Que relação é que um bibliotecário tem com a leitura? Respondi instintivamente que pode não ter nenhuma. Não tem necessariamente que ter. O bibliotecário bibliófilo, guardador de livros, leitor de ficção desapareceu. Hoje o bibliotecário é gestor de informação. O livro já não é o único meio de informação e de formação. A organização que o bibliotecário dava à biblioteca que só tinha livros, é a organização que ele tem que fazer nos novos canais de informação. O bibliotecário tem agora que gerir as bibliotecas digitais e virtuais. Na internet tem que passar a gerir os conteúdos acessíveis em páginas Web, blogs, repositórios digitais, revistas e jornais digitais, bibliotecas digitais e outras formas.
Assim a leitura de lazer e prazer, de ficção em prosa ou poesia é apenas uma pequena parte da imensa actividade que a biblioteca tem a desenvolver no actual ambiente digital da sociedade da informação e conhecimento. E neste contexto adverso ao suporte papel, são fundamentais as iniciativas de promoção da leitura como a que a Escola realizou.
E se repararmos bem, este encontro de pessoas para lerem, dizerem e ouvirem poesia, é uma necessidade actual de contrariar a sociedade solipsista e individualista da leitura pessoal em ecrã de computador e dos diálogos mediados pelos dedos tocando o teclado do computador.
As próprias bibliotecas mudaram. Nas bibliotecas de depósito patrimonial em que a sala dos livros era separada da sala de leitura, não seria possível reunir as pessoas junto dos livros por razões físicas. Só o seria na sala de leitura. O modelo moderno de biblioteca de livre acesso em que não há separação entre o livro e o leitor permite o magnífico ambiente conseguido na Biblioteca da Escola Domingos Capela.
António Regedor
Só mais uma achega, estimado Regedor da minha aldeia. Parece-me pertinente complementar essa informação (a diversidade de campos de acção em que o bibliotecário hoje se move) com uma outra que, a bem da promoção da leitura, se tem de enraizar: os bibliotecários estão cá para promoverem a leitura. A leitura. A promoção da literatura vem depois (ou aprés, como diria o Mário Lino). Dessacralizar o que se lê parece-me trave-mestra para erradicar uma certa erudição de que se tem de ler isto ou aquilo nas BP's ou, ainda pior: não se pode ler isto porque é light ou aquilo porque é "pequeno-burguês"... Tenham dó! Já dizia Pennac que a sua grande sorte foi que sempre leu o que quis sem ter ninguém a censurar as suas escolhas. A única coisa que fazim era dar-lhe mais opções de leitura (e aí sim, neste estádio do desenvolvimento leitor o bibliotecário já poderá promover a literatura). Mas, primeiro, ainda há muita terra para cavar.
Um abraço!
Caríssimo, isto da leitura... já sabes que é troca de ideias com o tamanho do Universo!
Concordo que pode haver gestores de informação com pouca ou nenhuma relação com o livro, mas apenas da mesma forma que há tantos bibliotecários por aí (em bibliotecas físicas tradicionais), tão afogados nas actividades normais de gestão institucional que já não têm tempo para ter qualquer relação profissional com a leitura de livros (mesmo que na diagonal...).
No entanto, a ideia mais saliente com que fiquei do teu post é que as pessoas, em geral, ainda não encaram como "leitura" as formas diversas de ler hoje existentes.
Contra mim falo! Apesar das horas em frente ao computador, a ler e a ver/rever textos, quantas vezes caio nisso...
Se calhar é mais um sinal dos tempos, esta vivência ao mesmo tempo síncrona e assíncrona a que vamos sendo obrigados pela evolução vertiginosa das tecnologias usadas no nosso quotidiano, em que o que hoje aprendemos já é obsoleto, e que transforma as nossas referências de descanso remansoso (onde incluímos o virar de páginas de um livro) em práticas acintosas...
Não quero deixar de referir que concordo com o comentário de Gaspar Matos: há demasiado tempo, leia-se milénios, que se põem demasiadas peias à leitura. Faz-se descriminação descaradamente à custa disso; sempre se fez. Mas, como boa utópica, espero que em breve se deixe de fazer. Acho que os PI's (todos, nada de descriminações, formação de licenciatura ou pós-graduação) têm a obrigação de, em primeiro lugar, desmistificar estratégias de estratificação socio-cultural baseadas em tipos de conteúdo. É difícil? É. Mas isso está-nos nos genes, não? Afinal, como viemos parar a esta profissão? Qual foi/é o nosso gozo íntimo? Queimar livros?!
E quem nos disse que viver esta aventura ia ser fácil?
Parabéns pelo espaço, vou linkar-te no meu cantinho.
Abraço,
Sónia Pessoa
Agradeço o link.
Foi motivo para criar mais um grupo de links, já que os que referia eram apenas de ciência da informação.
Este comentário também me obrigou a ir à procura de fotos, e aí está uma foto das primeiras bibliotecas escolares a organizarem-se em livre acesso.
Obrigado.
António regedor
obrigada António, pela simpatia.
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