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No que diz respeito às políticas bibliotecárias, a alteração de regime político, em Abril de 1974, não se fez sentir antes do ano de 1987, com o Decreto-lei 111/87 de 11 de Março.
Os antecedentes que conduzem à produção da política bibliotecária em Portugal pós revolução democrática de 25 de Abril foram: O clássico e tradicional Curso de Bibliotecário-Arquivista (1887), que vinha formando os técnicos desta área foi sucessivamente reformado, dando lugar em 1935 ao Curso de Bibliotecário-Arquivista sendo, finalmente, substituído pelo Curso de Especialização em Ciências Documentais (CECD), com a criação da pós-graduação na área nas Faculdades de Letras das Universidades de Lisboa e de Coimbra, em 1983, e na Universidade do Porto, em 1985.
A constituição da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas (APBAD) aconteceu em 1973, depois de cerca de um ano de preparação.
Entre 31 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 1983, o Instituto Português do Livro (IPL) realizou em Lisboa, com a colaboração da APBAD, sessões de um seminário que contou com a presença de Jean Tabet, reputado bibliotecário francês. O seminário teve a faculdade de promover a sensibilização da opinião pública e advertir o governo e as autarquias para a inexistência de uma verdadeira prática de leitura pública no país. Deste seminário saiu o conhecido manifesto intitulado “A Leitura Pública em Portugal - Manifesto”, da responsabilidade de Cabral, Nunes e Portilheiro (1983).
O 1.º Congresso da APBAD em 1985 e a resolução da Secretária de Estado da Cultura espelha-se no Despacho 23/86 de 11 de Março, que considera “desejável que, progressivamente todo o País venha a ser dotado de uma rede de bibliotecas públicas, funcionando em moldes adequados às exigências do mundo actual”. Com a publicação do Decreto-Lei 111/87 de 11 de Março, as bibliotecas são concebidas para servir o público em geral, respondendo às necessidades de informação, autoformação e ocupação dos tempos livres. A política de leitura pública insere-se, deste modo, no desígnio de desenvolvimento cultural, assentando numa rede de bibliotecas municipais que deve cobrir todo o país. Para a concretização desta política, uma vez mais na história da criação da rede de bibliotecas, o Estado atribui às autarquias a responsabilidade de instituir as bibliotecas e garantir o seu funcionamento. A administração central reserva-se à cooperação técnicofinanceira.
Para a execução deste objectivo de política de leitura pública, através da Rede de Bibliotecas Municipais, o modelo é o do estabelecimento de contratos-programa entre a administração central e as autarquias.
Constata-se que a opção adoptada para a constituição das bibliotecas de leitura pública em Portugal é decalcada do modelo francês, mas de menor dimensão nos vários parâmetros.
Passados 20 anos do início da Rede Nacional de Biblioteca Públicas (RNBP), Oleiro e Heitor (2010) começam por salientar o subdimensionamento das bibliotecas. Quanto às colecções, as autoras referem vários aspectos de incumprimento do programa, sendo que 60% das bibliotecas foram abertas sem atingirem os valores mínimos de acervo documental recomendado pelo programa de leitura pública.
Outra nota negativa apontada por Oleiro e Heitor (2010) é o incumprimento do recomendado pelo programa da rede para os recursos humanos. Constata-se que nos três tipos de bibliotecas, o número de trabalhadores é inferior ao recomendado. No caso dos bibliotecários, com a categoria de técnicos superiores de biblioteca e documentação, só 73% das Bibliotecas Municipais de tipo 1 (BM1) cumprem o programa. Perante estas evidências, Oleiro e Heitor (2010) são levadas a concluir que, completados 20 anos do Programa de Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, estas, na sua generalidade, não cumprem os parâmetros mínimos recomendados pela Direcção Geral da Leitura e das Bibliotecas (DGLB) para os recursos de informação, humanos e tecnológicos. Existem grandes disparidades em bibliotecas do mesmo tipo, quanto à dimensão dos recursos e ao número de empréstimos domiciliários. As bibliotecas mais pequenas são as que evidenciam as maiores dificuldades no cumprimento do programa.
António Borges Regedor
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António Rgedor
A rede de bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian é criada a 4 de Setembro de 1956, fazendo parte do serviço de educação, de acordo com a vontade testamentária do seu fundador, Calouste Sarkis Gulbenkian.
A rede privada de bibliotecas de leitura pública assenta numa concepção que se afasta claramente do paradigma continental e tradicional de bibliotecas, criadas por legislação que endossa às autarquias os custos do seu funcionamento. O modelo Gulbenkian está efectivamente mais próximo do conceito anglo-saxónico de ‘free library’. Estamos em presença de um modelo que conta com a colaboração de um mecenas, em que a ideia de ‘livro’ corresponde a um instrumento de educação e alfabetização indispensável ao desenvolvimento
social, cultural e económico do país. Do mesmo modo, o modelo de bibliotecas móveis Gulbenkian desenvolve-se, tendo por base princípios organizativos diferentes e inéditos do serviço de biblioteca, se comparados com o modelo em vigor, mormente o empréstimo domiciliário e o livre acesso às estantes.
O rápido incremento das unidades móveis permitiu aos coordenadores do Programa da Rede de Bibliotecas da FCG constatar a rápida adesão do público leitor ao serviço criado, daí que em 1961 tenha começado a “verificar-se que não bastava a existência de tais unidades móveis e que seria igualmente necessário o estabelecimento de unidades fixas” (Gulbenkian, 1994, p.9).
A dimensão do impacto da iniciativa de promoção da leitura e do livro conduzida pela Fundação Calouste Gulbenkian, entre os finais dos anos 50 e os inícios dos anos 90 do século XX, com a instalação das bibliotecas itinerantes e fixas, pode avaliar-se pelo número de instituições itinerantes e fixas. O número máximo das primeiras foi de sessenta e duas unidades (Gulbenkian, 1994, p. 9) e o número máximo de unidades fixas foi de cerca de duzentas. Em 1993, data em que o serviço passa a designar-se “Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura”, são referidas 3.206 localidades servidas. Na década de 80 do mesmo século, foram
adquiridos para as bibliotecas itinerantes e fixas 2.397.094 exemplares de livros; foram atendidos 1.755.943 leitores anualmente; e objecto de empréstimo, em 10 anos, 52.511.988 livros. O serviço da rede da Fundação Calouste Gulbenkian atingiu um montante de 6.265.377.531$00 na década de 1980 (Gulbenkian, 1994, p. 54). A rede foi extinta em 2002 em consequência de fortes constrangimentos orçamentais da FCG. O principal traço caracterizador desta rede reside no facto de se tratar de um sistema centralizado. Aspectos que são relativos à política de constituição, tratamento técnico, gestão e difusão da colecção bibliográfica da rede de bibliotecas. Os pontos fortes do modelo de rede de bibliotecas Gulbenkian eram a política de selecção e aquisição que dependia inteiramente da Fundação Calouste Gulbenkian. As aquisições de novas espécies eram feitas directamente às editoras, depois de ter sido efectuada a selecção dos títulos a adquirir pela Comissão Consultiva de Apreciação de Livros, constituída
exclusivamente por “elementos alheios aos quadros da Fundação Calouste Gulbenkian (escritores e críticos de competência reconhecida)”. (Fundação Calouste Gulbenkian/Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura, 1994, p. 19).
O catálogo do acervo bibliográfico das bibliotecas Gulbenkian era, de igual modo, efectuado centralmente e posteriormente disseminado por todas as bibliotecas da rede.
As aquisições tinham um tratamento documental centralizado, conforme referimos, antecipando o envio dos exemplares para as Bibliotecas Itinerantes e Fixas disseminadas pelo território continental e ilhas. Na sede do serviço–Fundação Calouste Gulbenkian–havia ainda uma Biblioteca Central de Empréstimo, composta por bibliografia mais especializada, destinada
também a empréstimo feito por correio.
O modelo de centralização das várias tarefas técnicas do serviço de bibliotecas Gulbenkian comporta várias vantagens. A primeira das quais é a redução dos preços, quando feita a aquisição directamente às editoras, diminuindo desde logo o custo adicional promovido pela cadeia de comercialização do livro, incluindo a distribuição. Na centralização do tratamento documental há também inúmeras vantagens. A catalogação e a classificação são feitas por título e não por exemplar, conferindo uniformidade e normalização a estas operações técnicas.
De uma única operação de tratamento documental, são catalogados e indexados todos os exemplares enviados para as Bibliotecas Itinerantes e Fixas. Deste modo, é possível reduzir custos em recursos humanos qualificados e colocar os funcionários das bibliotecas a desenvolver outras actividades, no âmbito da missão da biblioteca.
De igual modo se verifica uma uniformização nos procedimentos e orientações de funcionamento.
Podemos identificar como pontos fracos o que respeita, nomeadamente, aos colaboradores. A Fundação Calouste Gulbenkian não colocava qualquer exigência específica de qualificação profissional do bibliotecário. Inicialmente, a FCG, nas parcerias que estabelecia para a instalação de bibliotecas, colocava a um nível muito elementar as exigências dos então designados “encarregados de biblioteca”. Somente a partir dos anos 80 do mesmo século era exigida aos “encarregados das bibliotecas” das unidades fixas o 11.º ano de escolaridade, ou o curso de técnico-auxiliar de BAD (Biblioteca, Arquivo e Documentação). Como demonstrativo desta opção, a Fundação designava de “encarregado de biblioteca” os responsáveis pelo funcionamento das unidades. A designação de “director da biblioteca” pela Gulbenkian surge muito tardiamente, tanto mais que coincidiu com o lançamento do Programa de Avaliação de
Bibliotecas (PAB), no ano 2000 (Borges, 2002, pp. 5 e 21-23).
Para a Fundação Calouste Gulbenkian a prioridade estava no empréstimo do livro e não nas condições físicas das bibliotecas. O menosprezo pelas condições de instalação das bibliotecas está patente na brochura publicada pelo serviço de bibliotecas da fundação, em 1994, quando refere: “coisa que em verdade não se faz com fachadas mais ou menos catitas, ou até mais ou
menos formosas” (Fundação Calouste Gulbenkian/Serviço de Bibliotecas, 1994, p. 31). Em 1994, a rede de bibliotecas Gulbenkian, em confronto com as bibliotecas construídas ao abrigo da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (desde 1987), criadas sob uma nova concepção de
espaço e de serviços, justificava a sua opção de rede, afirmando que o serviço se orgulhava do “carácter popular das suas bibliotecas, da assumida modéstia de muitas das respectivas instalações, da franca simplicidade da maioria dos funcionários” (Fundação Calouste Gulbenkian/Serviço de Bibliotecas 1994, p. 31).
O PAB surge no ano 2000 e resulta, como já adiantamos, da necessidade e oportunidade do Serviço de Biblioteca e Apoio à Leitura (SBAL) desenvolver um programa que, aplicado num pequeno grupo de bibliotecas, pudesse ser exemplar para a requalificação da própria rede.
Pretendia-se a implementação de um programa inovador e de referência para todas as outras bibliotecas.
António Borges Regedor
É possível assinalar três razões principais que contribuíram para a ausência de concretização das intenções republicanas de criação de uma rede de bibliotecas no país: a questão cultural de que a maior expressão é o analfabetismo, a questão ideológica e o modelo económico definido para a criação de bibliotecas.
De facto, como afirmamos, a primeira razão poderá encontrar-se no enorme índice de analfabetismo e na prioridade que o regime pretendeu conceder à questão da instrução pública. O regime republicano tem uma enorme preocupação com a instrução do povo nos ideais da cidadania republicana, e a leitura é elemento essencial para atingir esse objectivo.
Entende-se que só um povo a saber ler poderá corresponder ao ideal de cidadão consciente, informado e interveniente na vida pública. Por isso se diz que “Enquanto regime instaurado à luz duma ética de cidadania e democracia política, onde a instrução era um instrumento central, a I República irá necessariamente atribuir relevância à questão da leitura pública” (Melo, 2010, p. 13).
A segunda razão que entendemos poder estar na ineficácia da política de leitura pública é a questão ideológica. A primazia dada à política educativa tem a ver com a forte luta pelo controlo ideológico das camadas populares que leva os republicanos a colocar em marcha a enorme tarefa de promover o ensino laico e de cariz anticlerical, mormente na segunda metade do século XIX. Neste contexto, podemos, de algum modo, afirmar que a política de bibliotecas
populares é mais ideológica que educacional. As elites políticas republicanas mantêm a política bibliotecária herdada do liberalismo de oitocentos e, ‘latu sensu’, a legislação de 1870. Assim, a legislação que cria a Inspecção Geral das Bibliotecas e Arquivos Públicos (1887), posteriormente refundada pelo Decreto de 24 de Dezembro de 1901 com a designação de Inspecção das Bibliotecas Eruditas e Arquivos, mantém-se na República e coexiste com a Inspecção das Bibliotecas Públicas e Móveis, criada em 18 de Março de 1911. Quanto ao
organismo que tutela e supervisiona a inspecção das bibliotecas eruditas, é mantido pela política republicana em moldes idênticos aos do período anterior.
A ideia republicana sobre política bibliotecária assentava no desígnio de conceber, a par das bibliotecas tradicionais destinadas às elites ilustradas, bibliotecas para o povo, numa clara desvalorização social dos equipamentos destinados às camadas mais baixas da população e menos alfabetizadas, contribuindo desse modo para a manutenção de uma visão elitista da
função da biblioteca. Ora, tal quadro ideológico não concorrerá positivamente para a promoção das mesmas, nem para a promoção social dos leitores e potenciais beneficiários.
O que resulta destas ideias e correntes intelectuais que têm por objectivo a criação em Portugal de um sistema de bibliotecas semelhante ao das ‘free libraries’ anglo-saxónico, é o afastarem-se desse modelo na constituição das colecções bibliográficas e, consequentemente, na divisão dos públicos. As elites políticas liberais portuguesas concebem uma estrutura dicotómica de bibliotecas: por um lado, as bibliotecas eruditas destinadas às elites, as que
acolhem as livrarias confiscadas aos extintos conventos e as existentes nas escolas de ensino superior; e, por outro lado, as bibliotecas populares destinadas às camadas inferiores da população que retêm colecções ideologicamente orientadas.
Finalmente, a terceira razão é de natureza económica. No espaço anglo-saxónico o financiamento das bibliotecas públicas era feito através do lançamento de impostos locais e da participação e interesse de mecenas.
A prática de mecenato é frequente na criação de bibliotecas que recebiam igualmente o suporte financeiro público, de que é exemplo o industrial escocês, emigrado nos EUA, Andrew Carnegie (1835-1919), que “financiou a construção de 2509 bibliotecas no mundo anglosaxónico, segundo o princípio da sua posterior manutenção pelas comunidades locais” (Melo, 2010, p. 8).
O modelo de financiamento público no espaço anglo-saxónico surgiu em 1850 com o Public Libraries Act. O governo em Inglaterra autoriza o lançamento de impostos locais destinados às bibliotecas. Em Portugal, o modelo é completamente diferente. Não se verifica a existência de mecenas, como na Inglaterra e nos Estados Unidos, nem a legislação orienta, de algum modo,
o modelo de financiamento das bibliotecas. O Decreto de 18 de Março de 1911, no seu artigo 11.º, “obriga”, este é o termo utilizado, a fundar bibliotecas populares. No caso de os municípios já possuírem bibliotecas, terão que instituir secções populares. Este é um bom exemplo da separação conceptual e tipológica, patente no decreto de 1911, que mantém as bibliotecas eruditas e as bibliotecas populares, a que junta a tipologia das bibliotecas móveis.
Porém, as dificuldades dos municípios em obter a receita necessária para a criação e manutenção das bibliotecas populares e das bibliotecas móveis eram impeditivas da consumação do projecto republicano.
Em resumo, a relação entre o poder central e o poder local na concretização dos objectivos de criação de um sistema nacional de bibliotecas destinadas às camadas populares revela-se ineficaz. Falha em termos do conceito de biblioteca, porque não corresponde à ideia original
anglo-saxónica, é igualmente nulo pela ausência de meios de concretização do projecto, imputando aos municípios os custos de criação e manutenção das unidades.
António Borges Regedor
Em suma, apesar da Monarquia Constitucional e o regime liberal terem produzido legislação ‘inovadora’, v.g. o Decreto Régio de 2 de Agosto de 1870, esse conjunto normativo teve poucos efeitos práticos, tendo sido insuficientes e claramente insatisfatórios. Daí que, desde inícios da implantação da República (1910-1911), se constate a carência de bibliotecas, circunstância que conduz, no imediato, à elaboração de nova legislação que pretendia organizar e reformar
todo o sistema bibliotecário do país (Decreto de 18 de Março de 1911). A legislação republicana tem o mérito de apresentar um modelo estruturado para as bibliotecas que divide em eruditas, populares e móveis. Na prática, limita-se a classificar as bibliotecas existentes no país, que pertencem às instituições de ensino e umas tantas que, apesar da denominação de públicas, são, pelas características da colecção, verdadeiramente patrimoniais. A maior diferença prende-se com a intenção de criação das duas outras tipologias que, a terem sido concretizadas, teriam constituído verdadeira inovação. Trata-se das refundadas bibliotecas populares e, como extensão destas, as bibliotecas móveis, mas que, na realidade, agrupam o mesmo tipo de colecções e destinam-se ao mesmo fim, que é o de facultar a leitura às camadas populares após o período de alfabetização. Contudo, se no período de governação liberal não se verificou a construção e a disseminação de bibliotecas, também na República
não se criaram de raiz bibliotecas populares, e as bibliotecas móveis eram escassas. As 50 unidades criadas em dois anos, foram reduzidas a metade, e apenas chegaram a 29 localidades do continente e ilhas.
A par deste evidente fracasso de concretização da legislação produzida, há ainda que reflectir sobre a questão não menos importante da ausência de «materialização» efectiva do conceito de «leitura pública». Não obstante os repúblicos evocarem frequentemente o paradigma de biblioteca pública de origem anglo-saxónica, o modelo implementado em Portugal não lhe corresponde. Por conseguinte, quando se faz uso do termo confere-se-lhe um significado semântico diferente do original.
António Borges Regedor
O preâmbulo do Decreto n.º 13724 de 1927, apesar de considerar inovadora a anterior política de bibliotecas, reporta-se às questões da necessidade de poupança de recursos materiais e humanos, com estes equipamentos.
Neste contexto, faz-se referência à difícil e frágil situação financeira vivida no país, para o que se carreia para o texto legislativo o argumento do aumento do custo do livro e do jornal, reconhecendo que o grande público só poderá ler na biblioteca. Assim faz parecer que o texto legislativo comporta uma maior preocupação em justificar a incapacidade de constituir bibliotecas públicas, do que em legislar decididamente no sentido da sua concretização.
E, mais uma vez, é endossada para as autarquias locais a responsabilidade de criarem bibliotecas e de suportarem os seus custos. O legislador refere que ao “Estado compete somente dar o primeiro impulso”, pois, de acordo com a lei, caberá às câmaras municipais a responsabilidade da dotação necessária, extraída das suas receitas ordinárias, para a constituição das unidades locais (Decreto n.º 13726 de 1927, artigo 18).
Outra preocupação da legislação do Estado Novo é o controlo ideológico, seja no que respeita a proibições ou orientações. Afirma-se ser manifestamente proibido “fornecer ao público livros, revistas e panfletos que contenham doutrinas imorais e contrárias à segurança do Estado” (Decreto número 13726 de 1927, artigo 21.º). Ou ainda: “Às bibliotecas está reservada uma função importante na luta contra o analfabetismo. E a própria vida nacional tomará, decerto, outra cor: não será simplesmente a extensão de conhecimentos, mas também a formação moral, a aquisição de hábitos de seriedade, de probidade, de altruísmo, de ordem, que a leitura sem dúvida promove.” (Decreto-lei número
36147, 5 de Fevereiro de 1947, Preâmbulo).
O mesmo diploma sustentava a ideia de que estava “vedada aos professores a incorporação de quaisquer obras além das aprovadas nos termos deste decreto-lei, ainda que gratuitamente cedidas” (Decreto-lei n.º 36147, de 5 de Fevereiro de 1947, artigo 5.º).
António Borges Regedor
A emergência de uma nova mentalidade e cultura políticas, o surto de novos movimentos sociais e novas necessidades de mobilização e de educação popular, a supressão da insuficiência cultural, educativa das massas, a promoção da secularização no ensino, surgem como condição do exercício consciente da liberdade e da cidadania.
Para os republicanos, a reforma do sistema bibliotecário é uma questão fundamental à instrução do povo, considerando a necessidade desse sistema como um poderoso meio de modelação da cultura e mentalidade, a par da escola. O movimento republicano tinha forte inspiração externa, que se reflecte na crença de que era fundamental colocar a população portuguesa em situação similar àquilo que classificavam de “inteligência mundial”.
No primeiro diploma legislativo em matéria de política bibliotecária, promulgado em 1911, surge um moderno conceito de biblioteca, considerada como um espaço que não deve apenas “conservar os livros, mas torná-los úteis”, como instituição de ensino público consagrada “ao progresso da inteligência, à extensão da cultura científica, [constituindo] focos de irradiação mental” (Decreto de 18 de Março de 1911, Preâmbulo, p. 497).
As referências internacionais para os republicanos são os exemplos vindos dos ingleses e americanos, bem como o respectivo modelo cultural de ‘self instruction’, a que juntam os objectivos de ensinar, informar e distrair, que os anglo-saxónicos atribuem às bibliotecas.
As bibliotecas populares existem apenas nos grandes centros, conforme salienta o diploma de 1911: “Não bastam, porém, à instrução do povo português as actuais Bibliotecas dos grandes centros” (Decreto de 18 de Março de 1911, Preâmbulo, p. 498).
No novo contexto político, entenderam os republicanos reorganizar e reformular os serviços das bibliotecas e dos arquivos nacionais. Os legisladores republicanos são, entre os períodos examinados, os que vão mais longe na tipificação das bibliotecas, dividindo-as em três tipos: eruditas, populares e móveis, definindo as respectivas atribuições (artigo 2.º do diploma citado).
São, de igual modo, os que mais coerência concedem à criação do projecto dum sistema nacional de bibliotecas. A Direcção Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial constituía a entidade de que dependiam os serviços das bibliotecas e arquivos nacionais. Para os legisladores de 1911, as bibliotecas eruditas são definidas como aquelas que, pelo carácter do seu depósito bibliográfico, se prestam ao desenvolvimento da cultura científica, literária e artística, ou se apresentam como magníficos repositórios de obras e documentos históricos. A missão destas bibliotecas seria a conservação e valorização do livro, como elemento de cultura científica, e como contributo e documento histórico, pelo seu valor patrimonial.
As bibliotecas populares, por seu turno, são destinadas “à vulgarização, expansão e propaganda do livro” (Decreto de 18 de Março de 1911, artigo 9.º). Com este decreto, pretende-se que sejam constituídas secções populares nas bibliotecas dependentes da Direcção Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial. Na Biblioteca Nacional de Lisboa instruiu-se uma secção popular com espaço próprio, dependente dos recursos do tesouro público. Por seu lado, todas as câmaras municipais seriam obrigadas a fundar bibliotecas populares.
Quanto às bibliotecas móveis, propostas pela política republicana, são definidas como “colecções de livros enviadas pelas Bibliotecas Populares às diversas localidades da sua área, e destinadas à leitura no domicílio” (Decreto de 18 de Março de 1911, artigo 19.º).
A dimensão das colecções era pequena, de apenas 100 volumes, sendo que 50 deveriam ser obras de ficção. As bibliotecas móveis eram assumidas como extensão das bibliotecas populares, pois eram enviadas por estas e tinham a intenção de promover a “expansão do livro” e fazer a “propaganda da leitura” (Decreto de 18 de Março de 1911, artigo 20.º).
Mais uma vez, o endosso da responsabilidade do financiamento das bibliotecas para os Municípios não resulta na sua efectivação. Nem se forma uma rede de bibliotecas populares, nem, consequentemente, as suas extensões móveis.
António Borges Regedor
A mais antiga Biblioteca Pública, na opinião de Nunes (1996), nasceu no Porto. A Biblioteca Pública Municipal do Porto foi criada a 9 de Julho de 1833, na sequência do movimento liberal pós-Revolução de 1820.
Era o tempo de entender a biblioteca como reforço da alfabetização, da afirmação da necessidade de incrementar o hábito da leitura, de dar continuidade à competência da leitura adquirida com a alfabetização, e de “aperfeiçoamento moral e intelectual” (Grattan, 1964, p.36).
O exemplo da revolução francesa e a criação das bibliotecas públicas a partir dos acervos dos conventos e mosteiros, e a semelhança com a revolução liberal na confiscação das livrarias conventuais leva à adopção do modelo conservacionista e patrimonial das bibliotecas. Assim, as bibliotecas públicas criadas no contexto da revolução liberal, em Portugal, afastam-se do
conceito das ‘free libraries’ em que tentam inspirar-se assumindo o nome.
Apesar de o ambiente político liberal ir, por razões ideológicas, criando bibliotecas públicas, a legislação regulando um sistema nacional bibliotecário só surge com a legislação produzida a 2 de Agosto de 1870.
A percepção de que as bibliotecas públicas então criadas têm carácter erudito e conservador, leva à proposta de criar bibliotecas populares em todos os concelhos, com objectivo político expresso de promover a aproximação ao conhecimento das classes populares, por meio da leitura moral e instrutiva (Decreto Régio de 2 de Agosto de 1870).
O Decreto Régio de 2 de Agosto de 1870 apontava para a criação de uma biblioteca popular por concelho, instalada na escola primária e superintendida pelos professores primários. Este diploma legislativo determinava também que os custos de funcionamento das bibliotecas populares deveriam ser suportados pelas câmaras municipais.
É uma política determinada centralmente para ser aplicada localmente, o que resultará em fracasso, como sabemos.
Paralelamente às bibliotecas públicas de característica erudita e conservadora, e às bibliotecas populares para a instrução e moral, em resultado da ilustração, do gosto burguês pela leitura, essencialmente de romance, da indústria da edição periódica e monográfica, surgem os gabinetes de leitura comerciais ou associativos populares.
Os gabinetes de leitura surgiram antes mesmo das bibliotecas populares. A leitura, pelo menos para a burguesia ilustrada, durante boa parte do século XIX era feita nos gabinetes de leitura, moda importada de França, onde tinha surgido em meados do século anterior. Os gabinetes de leitura foram inicialmente
constituídos por influência dos ideais de origem francófona, como espaços de socialização onde as relações e mundividências sociais, políticas e culturais da burguesia letrada se faziam sentir. A par, entre os homens instruídos, difundiu-se a ideia liberal de que havia que incutir e promover uma “cultura civilizadora”, que facultasse o acesso à leitura e à comunicação escrita.
A par dos gabinetes de leitura, com objectivos comerciais, formaram-se várias associações de promoção da cultura e da leitura junto da classe operária. Uma vez que os gabinetes de leitura, no sentido estrito do termo, estavam praticamente reservados à burguesia, as associações operárias concebem as suas próprias colectividades e os seus próprios mecanismos de promoção da leitura, entre os associados. Os leitores que frequentam as associações operárias emergem de diferentes camadas sociais, fruto da preocupação em alargar o processo de alfabetização a estratos populares da sociedade, nomeadamente a artesãos e trabalhadores, por via das próprias necessidades do processo de «industrialização» do país em curso.
Nestes círculos, pratica-se a leitura em voz alta–‘leitura em público’–, muitas vezes feita pelos próprios escritores. Com o tempo, esta leitura veio a cair em desuso, vindo o termo mais tarde a ter outro valor semântico. No dealbar do século XX, o termo ‘leitura pública’ veio a designar o tipo de biblioteca aberta ao público em geral, e não o modo de ler como na concepção tradicional.
António Regedor
Foto: Antigo convento de S. Francisco em Lisboa, para onde foi transferida a Real Biblioteca Pública da Corte em 1834, por necessidade de acomodar os fundos dos extintos conventos e mosteiros. À data da sua fundação, por Alvará de 29 de Fevereiro, integrou os fundos da Real Mesa Censória, que fora extinta em 1794 e esteve instalada na ala ocidental da Praça do Comércio.
Leitura Pública em Portugal. Das biblioteca privadas às bibliotecas públicas.
A crescente influência das correntes culturais do Iluminismo no nosso país e os progressos no comércio, indústria e, principalmente, do ensino que marcam o período do século XVIII tardio, contribuem para a paulatina mudança de mentalidades.
Datam igualmente do século XVIII importantes e decisivas iniciativas no âmbito científico e educativo, de entre as quais destacamos, nomeadamente: a fundação da Real Academia de História (1720), a fundação do Real Colégio dos Nobres(1761), a instituição da já referida Real Mesa Censória (1768), a formação da Imprensa Régia (1772), a reforma da universidade e a promulgação dos estatutos (1772), a lei relativa à organização do ensino primário (1772) e, finalmente, a fundação da Academia Real das Ciências (1779).
Até este período, as bibliotecas são, na generalidade, instituições da esfera privada. Imperiais, Régias, Religiosas, Pessoais.
É este contexto pedagógico-científico e político que vai possibilitar a decisão de transformar a Livraria Régia em Biblioteca Pública aberta aos estudos das Ciências e das Artes. No reinado de D. Maria I (1777-1816) é promulgado o alvará de 29 de Fevereiro de 1796, pelo qual é fundada a Real Biblioteca Pública da Corte que, em 1836, passará a Biblioteca Nacional de Lisboa.
Este é o episódio que marca a passagem da biblioteca da esfera privada à esfera pública.
António Regedor
Os diversos contextos políticos e sociais determinam as opções de política de informação e de organização das tipologias e sistemas de bibliotecas.
A política bibliotecária resulta de um ponto de convergência entre a política cultural e a de informação (Garcia Martínez, 2005).
As políticas culturais são reflexo dos avanços civilizacionais que se vão enunciando na filosofia das Luzes, na assunção do ideal de cidadania saído da Revolução Francesa (1789), no processo de consciência da liberdade do sujeito/indivíduo, em ordem à progressão dos movimentos liberais que se expressam claramente a partir do século XIX.
Os sistemas bibliotecários contam-se entre os principais instrumentos de concretização das políticas de informação, e estas devem determinar o modo como se articulam os diversos serviços de informação, os seus princípios orientadores, as questões normativas, os meios de financiamento, as responsabilidades de funcionamento e a distribuição de competências dos
diversos intervenientes no processo de informação.
Assim, López Yepes (1995) define a política de informação e documentação como o conjunto de medidas ou decisões exercidas pelos poderes públicos aos seus diferentes níveis.
Os diversos contextos sociais determinam as opções de política de informação e de organização das tipologias e sistemas de bibliotecas. Garcia Martínez (2005) afirma que o contexto da política bibliotecária encerra, por um lado, o ambiente social e político que condiciona o desenvolvimento dos sistemas bibliotecários e, por outro, influencia o desenho da organização bibliotecária.
Na mesma linha de pensamento, Campillo Garrigós (1998) defende a ideia de que a política de informação e a política cultural convergem na política bibliotecária.
Garcia Martínez (2005) entende que as políticas culturais se devem fundamentalmente à implantação do modelo de Estado de bem-estar social na Europa, e assim coloca-as em meados do século XX, no caso do continente europeu.
É aos poderes públicos que cabe a decisão de estabelecer planos de actuação e a afectação dos recursos (materiais, humanos e financeiros) necessários à concretização das políticas bibliotecárias.
António Regedor
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